capítulo (1) -0

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O cadáver de Gorrister pendia flácido, sem o menor suporte, da paleta rosada -
pendurado lá no alto da câmara do computador; e nem se arrepiava com a brisa fria e
oleoginosa que soprava eternamente dentro da caverna principal. Virado de cabeça para
baixo, o corpo preso à parte inferior da paleta pela sola do pé direito, não tinha uma só
gota de sangue, drenado por completo depois da incisão exata que lhe haviam feito, de um
canto a outro do queixo saliente. E não se via nenhuma mancha vermelha na superfície
lustrosa do piso metálico Quando o próprio Gorrister veio se juntar ao nosso grupo e, levantando os olhos,
enxergou o cadáver, já era tarde demais para a gente se dar conta que, mais uma vez, AM
nos pregava uma peça, se divertindo às nossas custas - mero passatempo por parte da
máquina. Três de nós vomitaram, virando mutuamente as costas num reflexo tão antigo
quanto a náusea que o provocou Gorrister empalideceu. Foi quase como se deparasse com um fetiche de macumba e
sentisse medo do que poderia vir a acontecer.
- Meu Deus - murmurou, afastando-se logo dali.
Passado algum tempo, saímos à procura dele. Fomos encontrá-lo sentado de costas
para um dos gélidos bancos menores, com a cabeça caída entre as mãos. Ellen ajoelhou-se
a seu lado e acariciou-lhe o cabelo. Nem se mexeu, mas dava para se ouvir claramente a voz
que vinha do rosto encoberto. - Por que não liquida com a gente de uma vez e acaba logo com isto? Céus, não
sei quanto tempo ainda vou poder agüentar.
Era o centésimo nono ano que passávamos no computador.
E Gorrister falava por todos nós.
Nimdok (nome impingido pela máquina, que achava graça em sonoridades
exóticas) começou a desvairar com a idéia de que havia comida enlatada nas cavernas de
gelo. Gorrister e eu estávamos em dúvida.
- É outra idiotice - garanti. - Como aquela porcaria de elefante congelado que
AM inventou pra gente. Vamos nos cansar à toa pra ir até lá e no fim descobrir que está
tudo estragado ou coisa parecida. O melhor é deixar isso de lado. E continuar por aqui
mesmo, pois se não quiser que a gente morra, muito em breve terá que aparecer com algo.
Benny deu de ombros. Fazia três dias que tínhamos comido pela última vez.
Minhocas. Grossas, pegajosas.
Nimdok já havia perdido a certeza. Sabia que existia uma possibilidade, mas estava
emagrecendo. Lá não podia ser muito pior do que aqui. Mais frio, mas que importância
tinha? Quente, frio, granizo, lava, furúnculos ou gafanhotos - nunca fazia diferença: a
máquina se masturbava e a gente tinha que engolir ou morrer.
Foi Ellen quem decidiu por nós.
- Preciso comer alguma coisa, Ted. Talvez lá tenha algumas latas de peras ou
pêssegos Bartlett. Por favor, Ted, não custa tentar.
Concordei logo. Ora, que porra. Estava me lixando pra tudo. Mas Ellen ficou muito
agradecida. Topou trepar duas vezes comigo, quando não era a minha vez. Até isso não
interessava mais. E ela nunca gozava, nem sei por que insistia. A máquina, porém, ficava
dando risadinhas toda vez que a gente transava. Bem alto, e vinha lá do teto, pelas costas,
de tudo quanto é canto, no maior deboche. Aquela coisa, se finando de rir. Quase sempre pensava em AM como uma coisa neutra, sem alma; mas o resto do tempo imaginava como pessoa, no masculino.., paternal... patriarcal... e muito ciumento. Ele. Ela. Deus no papel de
Papai Tresloucado.

( lembrando a história não é de minha autoria apenas estou traduzindo)

eu não tenho boca e preciso gritar Onde histórias criam vida. Descubra agora