O furacão tinha sido, de fato, precisamente, causado por um grande pássaro enlouquecido, ao bater as asas imensas.
Fazia quase um mês que havíamos iniciado a viagem e AM permitiu que passagens se abrissem apenas o suficiente para nos levar até ali em cima, logo abaixo do Pólo Norte, onde incubara o monstro para nos atormentar. Que espécie de lona inteiriça usara para criar semelhante fera? De onde tirara o conceito? Da nossa imaginação? Do seu conhecimento de tudo o que antigamente existia neste planeta que agora infestava e dominava? Fora buscar na mitologia nórdica essa águia, esse abutre, esse Ruc, esse Huergelmir. O monstro do vento. Hurakan encarnado.
Gigantesco. Palavras como imenso, monstruoso, grotesco, maciço, dilatado,
esmagador, indescritível. Ali, no alto de uma colina que se elevava à nossa frente, o pássaro dos ventos arfava com a própria respiração irregular, arqueando o pescoço de dragão contra as trevas, logo abaixo do Pólo Norte, apoiando a cabeça do tamanho de uma mansão inglesa da era elizabetana; o bico que abria lentamente, como as mandíbulas do crocodilo mais monstruoso já concebido, sensualmente; dobras de carne polpuda enrugadas sobre dois olhos maus, frios como a vista glacial da ferida de uma geleira, de um azul cristalino e, não sei como, de uma mobilidade aquosa; arfou novamente e ergueu as grandes asas coloridas de suor, num movimento que certamente equivalia a dar de ombros. Depois se acalmou e adormeceu. Garras. Presas. Unhas. Paletas. Ferrou no sono.
AM surgiu à nossa frente feito sarça ardente, anunciando que podíamos matar o pássaro do furacão, se quiséssemos comer. Fazia muito tempo que não comíamos, mas mesmo assim Gorrister se limitou a encolher os ombros. Benny começou a tremer e babar.
Ellen o consolou.
- Ted, estou com fome disse.
Sorri para ela. Estava querendo tranqüilizá-la, mas saiu tão falso quanto a bravata de Nimdok:
- Precisamos de armas! - clamou.
A sarça ardente desapareceu e surgiram dois jogos rudimentares de arcos e flechas e uma pistola d'água, caídos sobre as chapas frias do chão. Peguei um deles. Inútil.
Nimdok engoliu em seco com dificuldade. Viramo-nos e começamos o longo
caminho de volta. O pássaro do furacão tinha nos soprado por uma quantidade de tempo que não podíamos calcular. A maior parte havíamos passado inconscientes. Sem nada para comer. Um mês de marcha para no fim deparar apenas com o próprio pássaro. Nenhuma alimentação. Agora quanto tempo iríamos levar para encontrar o rumo das cavernas gélidas e dos prometidos víveres enlatados?
Ninguém se preocupou em pensar nisso. Sabíamos que não morreríamos. De um
jeito ou doutro, receberíamos coisas imundas e nojentas para comer. Ou absolutamente nada. AM encontraria forma de nos manter vivos para continuar sofrendo, em lenta agonia.O pássaro ficou dormindo lá trás - não interessava mais quanto tempo
permaneceria assim; quando AM se cansasse de deixá-lo ali, desapareceria. Mas aquela carne toda. Tão macia.
Enquanto caminhávamos, a gargalhada lunática de uma mulher gorda ecoou com
estridência por todos os cantos das câmaras do computador que levavam, a perder de vista, a lugar nenhum.
Não era a risada de Ellen. Além de magra, já fazia cento e nove anos que não ria.
Para ser franco, já fazia... continuamos caminhando... me sentia morto de fome...
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eu não tenho boca e preciso gritar
Science FictionAnos depois da destruição da civilização humana, existem apenas cinco sobreviventes, e seu algoz, AM, a super inteligência que destruiu o mundo. O ódio que o computador nutre pelos humanos não tem fim, e por isso tortura-os, mantendo-os sempre em um...