cap (3) -0

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O furacão nos pegou com o impacto de uma geleira se desfazendo com estrondo


no mar. Era uma presença palpável. Ventos que açoitavam, empurrando de volta pelo


mesmo caminho por onde tínhamos vindo, pelos meandros dos corredores forrados de painéis de computador mergulhados nas trevas. Ellen gritou ao ser levantada no ar e jogada de encontro a um acúmulo de máquinas ruidosas, mais estridentes que revoada de morcegos. Não conseguiu nem sequer cair. O vento uivante a manteve suspensa,


esbofeteando, batendo, arremessando para trás, para o fundo, para longe de nós, sumindo de repente de vista ao ser lançada num redemoinho que a precipitou na escuridão. O rosto estava todo ensagüentado, os olhos fechados.

Nenhum de nós pôde segurá-la. Nos agarramos com tenacidade a qualquer saliência ao nosso alcance: Benny se meteu entre dois armários enormes, cujo revestimento estalava. Nimdok se apegou com os dedos feito garras à grade que protegia um passadiço a mais de dez metros de altura do chão. Gorrister ficou colado de cabeça para baixo numa


reentrância da parede formada por duas grandes máquinas com mostradores de vidro que giravam para cá e para lá entre linhas vermelhas e amarelas, cujo significado não podíamos


sequer adivinhar.

Ao deslizar pelas chapas metálicas do pavimento, fiquei com a ponta dos dedos em carne viva. Estava tremulo, apavorado, impelido pelo vento, que me batia e chicoteava, urrando não sei de onde comigo e me arrancando da fenda minúscula de uma chapa para mergulhar noutra logo em seguida. Minha cabeça parecia uma mixórdia de células cranianas que se turvavam, retiniam, trinavam, se expandindo e se contraindo em palpitante frenesi.

O vento era o grito de um grande pássaro enlouquecido, batendo as asas imensas.


E aí então fomos todos erguidos e arremessados para longe dali, voltando pelo mesmo caminho por onde tínhamos vindo, dobrando curvas, rumo a uma escuridão jamais explorada, sobre um terreno arruinado, cheio de cacos de vidro, cabos estragados e metal enferrujado, muito além do ponto mais remoto que qualquer uni de nós conhecia...

Percorrendo quilômetros no rastro de Ellen, de vez em quando conseguia-se vê-la,


esmigalhando-se contra paredes metálicas, rolando adiante, enquanto a gente gritava no meio do furacão gélido, atordoante, que parecia que nunca mais iria acabar e que de repente parou, e nós todos caímos no chão. Tínhamos voado durante uma infinidade de tempo. Achei até que poderiam ter sido semanas. Caímos no chão e enxerguei tudo


vermelho, cinza e preto. Percebi que gemia. Mas não estava morto.

eu não tenho boca e preciso gritar Onde histórias criam vida. Descubra agora