2 chapter / loneliness

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Não é adorável, estar completamente sozinha?
Coração feito de vidro, e a mente feita de pedra
Rasgue-me em pedaços, da pele ao osso
Olá, bem-vindo ao meu lar
Lovely – Billie Eilish (feat. Khalid)


BELLA CARTER



Acordo com os raios de sol iluminando meu rosto e aperto os olhos com força. Me levanto da cama, sentindo meu estômago embrulhar. Merda, porque fui inventar de beber tanto ontem?

Tento ignorar a sensação e vou direto para o banheiro, pois já estou quase atrasada pra escola. Ao tomar uma ducha quente e escovar os dentes, visto uma calça preta comum e um moletom branco com tênis do mesmo tom. Faço uma maquiagem simples e desço as escadas após pegar minha mochila.

Quando passo pela sala de jantar, vejo meu pai e Emily sentados comendo, quando me vê, ele arqueia uma sobrancelha, parecendo bastante estressado. Lá vem bomba.

— Bella, sente-se para comer, precisamos conversar. — ele fala num tom de voz frio.

Emily dá um sorriso satisfeito, me fazendo sentir vontade de desfazê-lo agora mesmo.

— Foi mal pai, tô muito atrasada, podemos falar mais tarde? — nem espero ele responder, apenas pego uma maçã da mesa e saio correndo.

Ufa, consegui me livrar pelo menos por enquanto.

— Bom dia, senhorita Bella. Vamos ou então você irá se atrasar. — James, nosso motorista, abre a porta do carro para mim.

Eu lhe cumprimento e entro no carro. Algum tempo depois, paramos de frente para a Stafford e eu desço. Vou quase correndo para a sala de aula e quando entro, percebo que todos já estão em seus lugares. Toda a atenção vem direto para mim. Elena, a professora de Literatura, para de escrever no quadro e franze os lábios ao me ver. 

— Professora Elena, a tolerância de atraso não é de dez minutos, apenas? — o babaca do Christian Bennett pergunta para a professora, com um sorriso cínico no rosto.

Ele desce o olhar pelo meu corpo e me encara fixamente, quando nossos olhares se cruzam. Ele percebe meu incômodo com toda a atenção da sala em cima de mim e sorri de canto. Desgraçado.

— Parece que dependendo de quem for, as regras são diferentes, não acha, Christian? — Victor, seu melhor amigo idiota pergunta para ele em um tom brincalhão e alguns alunos dão uma risadinha.

— Não estou vendo mais ninguém se preocupando com a minha vida, está precisando de atenção, Christian? — eu dou um sorriso irônico e ele me fuzila com o olhar.

Toda a sala ri e a professora interrompe.

— Já chega disso, pessoal. Bella, só vou deixar você entrar porque teremos uma atividade importante hoje, mas não atrase novamente ou não permitirei que entre, ok? — a professora Elena fala para mim e eu assinto.

Vou para minha cadeira no fundo da sala, ao lado de Victoria e Noah, ignorando o olhar de Christian sobre mim.

No meio da atividade passada pela professora, olho pro lado e vejo Victoria com um lápis na boca, quase babando ao observar Victor, que está um pouco à frente dela.

— Não vai me dizer que está interessada nesse babaca do Victor? — pergunto para ela, depois de chamar sua atenção lhe puxando pelo braço.

— Eu? Imagina... Apenas observando. — ela dá de ombros, fingindo desinteresse.

— Sei. — solto um riso nasal nada convencida.

Na mesma hora, Victor se vira e desce o olhar lentamente pelo corpo dela, fazendo Victoria engolir em seco. Reviro os olhos pra toda essa bobagem e volto minha atenção para minha atividade.

Quando o alarme soa e nós saímos para o refeitório, ficamos eu, Victoria e Noah tentando decidir o que comer hoje, enquanto estamos na fila. Depois de longos minutos, decidimos pegar um sanduíche de carne e sucos. Caminhamos até uma das mesas e nos sentamos.
Vejo que de longe, um grupinho se reúne em uma mesa, Christian e Victor estão lá, conversando entre si.

— Prestem atenção, lá vai a água de salsicha oferecida se humilhar pro Christian. — Victoria aponta, quando vê Estephany indo na direção dos garotos.

Quase me engasgo com o suco, dando uma gargalhada e após parar de rir, presto atenção na cena que a ruiva faz.

Estephany chega por trás de Christian e lhe abraça, mas ele ignora completamente, enquanto fala algo com Victor. Então, ela vem pra frente dele e começa a brincar com a gola do moletom dele, parecendo falar algo em seu ouvido. Ele olha para a garota, fala algo para ela e alguns segundos depois, sua atenção vem diretamente para onde estou, me fazendo engolir em seco, por algum motivo.

Sem tirar os olhos de mim, ele puxa a garota para mais perto e dá um beijo demorado no pescoço dela, apertando a cintura da ruiva contra si. Um sorriso de canto aparece no rosto dele, após parar de beijar ela e eu aperto as sobrancelhas.

Eu hein. Garoto esquisito.

Escuto a voz de Noah chamando meu nome e só então percebo que estava paralisada a um tempão, observando a cena do imbecil com Estephany. Jesus.

— Nós vamos pro treino, gatinha. Você tem ballet agora né? — meu melhor amigo me pergunta, alisando minha bochecha.

— Sim, nos vemos depois. — solto um beijo no ar para ele e Victoria e os dois saem da mesa.

Noah é muito empenhado nos treinos do time de basquete da escola. Ele diz que considera muito importante participar disso, pois fazer exercícios é essencial para a saúde física e mental. Uma desculpa esfarrapada para dizer que na verdade, ele adora a fama que participar do time traz para ele, afinal todas as garotas da escola ficam no pé dos jogadores.

Victoria também se dedica muito nos treinos, como uma das cheerleaders principais. Sempre que tem jogos de basquete e futebol americano, as meninas se apresentam com seus uniformes e coreografias perfeitas e minha amiga arrasa. Ela tentou me convencer a participar algumas vezes, mas o ballet tem meu coração.

Depois de levar minha bandeja até o local, tiro o celular da bolsa e começo a responder algumas mensagens acumuladas. Nem percebo por onde estou andando direito, até esbarrar em alguém.

— Foi mal aí. — respondo rapidamente, sem tirar minha atenção do celular.

— Que falta de educação é essa, princesinha? — escuto a voz familiar e levanto a cabeça, vendo Michael me encarando.

Ele dá um sorriso e cruza os braços na frente do corpo.

— Oi, desculpa Michael, estou atrasada pra minha aula de dança e nem vi direito. — eu dou um sorriso simpático e ele me analisa de cima a baixo.

— Aula de dança? Você participa do ballet? — ele me pergunta franzindo o cenho.

— Sim. Por que?

Ele se aproxima e coloca uma mecha de cabelo minha, atrás da orelha.

— Por nada. Acho que preciso frequentar o salão de dança da escola mais vezes. — ele passa a língua nos lábios, fazendo minha atenção ir para a região da sua boca.

— Apareça quando quiser, príncipe. — eu brinco com o “apelido” e sinto minhas bochechas esquentando.

— Com certeza, princesa. Mas agora, irei pro meu treino. A gente se vê. — ele pisca para mim e sai andando na direção contrária à minha.

Ignoro o quanto estava me sentindo nervosa e vou para o salão de dança. Antes de entrar, passo no vestiário e coloco meu collant preto e uma saia de tule pequena, com as meias no mesmo tom.

Quando passo pelas portas da sala, cumprimento a professora Mayara, que me dá um abraço. Ela é um amor de pessoa e sempre me incentiva, quando não consigo fazer algum passo mais difícil ou estou sem inspiração para as aulas livres. Olho pro lado e vejo Estephany, que me analisa de cima a baixo por um bom tempo e revira os olhos. Eu mereço.

Algum tempo depois, calço minhas sapatilhas e a professora vai para o centro do salão, nos explicar o que faremos. Nós focamos em fazer alguns movimentos de equilíbrio, algo que a maioria das alunas possui dificuldade, também trabalhamos a fluidez dos movimentos de mãos e pernas, pois nesse estilo de dança é necessário se entregar.

Para mim, a dança contemporânea é uma forma de me comunicar sem palavras, de  expressar o que sinto, através do corpo. Como se eu estivesse me fundindo com a música, as luzes e o ar que respiro. Uma entrega completa, onde é apenas eu e meus movimentos, totalmente entregue ao momento presente.

A aula demora em torno de cinquenta minutos, Mayara nos dá algum momento livre, para quem quiser continuar dançando, a maioria das alunas sai do salão, então ficamos apenas eu e ela. Ela me diz que fará alguns alongamentos, mas que posso ficar livre para dançar o que quiser. Vou até a caixa de som e sem pensar duas vezes, coloco a música Born to die, da Lana del Rey. Eu estava querendo dançar essa música há algum tempo e vinha criando os passos na mente, para reproduzir aqui.

O toque lento da música inicia e eu fecho os olhos, balançando os braços acima da cabeça. Sinto cada toque e vou mexendo o corpo no ritmo, levanto a perna até encostar quase na cabeça, dou pequenos saltos e giros no meio do salão. Eu deito no chão, arrastando as pernas lentamente e em seguida, subo o tronco, passeando as mãos pelo meu corpo.

Faço giros através de todo o salão, trabalhando a fluidez do movimento de minhas pernas. Tudo sai muito espontâneo e de uma forma dramática, exatamente como planejei na minha mente.

Minha respiração está controlada com a música, meus pés tocam o chão de maneira delicada e minhas mãos complementam os movimentos que faço com as pernas. Sou apenas eu nessa sala, tudo que possa bagunçar minha mente simplesmente some, enquanto escuto a melodia e me entrego.

Quando a música encerra, estou levemente ofegante e de olhos fechados. Quando os abro, percebo que a professora saiu da sala, a porta do salão está aberta e me assusto, ao ver Christian parado ali. Meu olhar se encontra com o dele e eu de repente, me sinto envergonhada. Ele parece me analisar intensamente, com algo... esquisito no olhar.

Quando faço menção de abrir a boca para perguntar o que ele faz ali, ele se vira e vai embora. Ok, senhor esquisito.

Eu saio do salão e vou me trocar. Após o final das aulas, vou para casa e passo o restante da tarde, fazendo trabalhos e lendo meu livro favorito.

Minha paz é interrompida no início da noite, quando meu pai chega do trabalho e Regina me avisa que ele quer conversar comigo, em seu escritório.

Caminho até lá, já imaginando que vem alguma besteira pela frente. Quando entro, me sento na cadeira de frente para ele e lhe pergunto.

— Então, você queria conversar comigo, pai?

— Sim. Posso saber onde você estava ontem? — ele usa um tom de voz frio.

— Na casa da Victoria, fazendo um trabalho. — minto e dou um sorriso simples.

— Sério? Desde quando você vai fazer trabalho na casa de uma amiga, parecendo uma prostituta? — ele me pergunta com ironia.

Abro a boca em um “O” e pisco várias vezes.

— Eu não estava com roupa de prostituta. Foi Emily, né? Sua mulherzinha não se aguentou e foi me dedurar pra você. — eu cruzo os braços na frente do corpo.

— Não. Não foi ela, eu te vi saindo pelas câmeras. — ele me fala, soltando uma respiração audível.

— Você está me vigiando? — pergunto em choque, com um tom de voz mais alto.

— E se eu estiver? Qual o problema, hm? Você é minha filha, Bella. Eu vou fazer tudo que achar necessário pra te proteger! — meu pai dá um tapa na mesa de madeira e fala quase gritando.

— Me proteger? Qual é, pai. Eu sei muito bem o que faço da minha vida.

— Ah, é? Sabe mesmo? Andando em porcarias de corridas ilegais, onde só tem gente bebendo, usando drogas e fazendo outras besteiras? Você deveria ser um exemplo, Bella Carter. Você é minha herdeira, o que as pessoas vão pensar de mim, da minha empresa? Se não sei cuidar nem da minha própria filha. — ele passa a mão nos cabelos de forma nervosa.

— É só com isso que você se importa, né? Com a porcaria da sua reputação e empresa. Se você não quer que eu estrague sua reputação, é simples, me deixa viver em paz e longe de você, longe da megera da sua mulher. Você sabe que esse é o meu desejo. — eu cuspo as palavras, sentindo a raiva me consumindo.

— Não seja infantil. Agora vai começar de novo a implicar com a Emily. Você não vê que eu e ela só queremos seu bem? A Emily sempre tentou se dar bem com você e nunca teve abertura da sua parte. Sempre tentou te ajudar a zelar por sua reputação, assim como ela faz, sendo uma esposa exemplar. Por que não a deixa fazer isso? Essa sua devoção doentia por sua mãe só te prejudica, você acha que todos estão contra você, filha. Isso não é verdade, seu pai só quer que seu bem, assim como Emily que é quase uma mãe pra você.

Dou uma gargalhada que faz minha barriga doer.

— Não fale uma besteira desse tamanho, George. Minha mãe se chama Sophia Breeden, sempre será apenas ela para mim. Mas você não se importa, não é? Nunca se importou, nem mesmo quando quebrou sua promessa e colocou essa megera aqui dentro de casa. — uma lágrima quente escorre pela minha bochecha e eu limpo rapidamente.

— Bella, não fale assim. Eu amava sua mãe e sei que prometi que jamais colocaria outra no lugar dela. Mas você tem que entender que as coisas mudam, querida. Emily é uma boa mulher, uma hora ou outra você terá que aceitar isso ao invés de travar uma guerra contra ela, você sabe que isso só nos afastará.

— Boa mulher? — dou uma risada. — Por que ao invés de me vigiar, não faz isso com sua mulherzinha? Garanto que vai se surpreender, só você não enxerga que essa mulher só suga seu dinheiro e me trata mal o tempo inteiro, quando você vira as costas.

A porta do escritório é aberta e Emily entra, ficando atrás do meu pai. Por falar no diabo.

— Te trato mal, querida? Desde quando? Mas, eu sempre me esforço pra te agradar... — a desgraçada faz uma cara de inocência.

— Se esforça pra me agradar? Ah, é? Por que não conta pro meu pai, que na última viagem que ele fez você sumiu com meu gato de propósito? Ou das besteiras que fala sobre minha mãe constantemente? — eu arqueio uma sobrancelha para ela.

— Meu Deus, que mentira. Aquele seu... gato, fugiu pra rua, eu que encontrei ele e trouxe de volta. Quanto a sua mãe, eu não falo besteiras, as únicas coisas que falei foram verdades, que ela era um pouco irresponsável, pois queria ficar indo para corridas ilegais, assim como você. — ela faz uma cara cínica, olhando para meu pai.

— Bella, pare de tentar criar rivalidade. Não está vendo que minha esposa só quer uma oportunidade de se dar bem com você, pare de ser tão mimada! — meu pai me fala seriamente e Emily sorri satisfeita. Cadela.

— Quer saber, cansei! Eu desisto de tentar fazer você me ouvir, George. A partir de hoje, será que você pode me esquecer? Vai ser muito melhor pra nós dois. — eu me levanto bruscamente e tento sair da sala.

— Espere, eu não terminei. — meu pai aumenta o tom de voz.

— Deixa ela, querido. Bella está na fase da rebeldia, nós dois sabemos o quanto é difícil colocar algo na cabeça desses adolescentes. — Emily alisa o braço do meu pai.

— Cala a porra da sua boca, vadia. — eu falo entredentes.

— Olha o respeito, Bella Carter! — meu pai grita, apontando o dedo para mim.

— Meu Deus, você está terrível. Bem que eu deveria ter tentado te proibir de sair ontem, está vendo, querido? Sai com aqueles amigos e já volta toda rebelde. Quantas coisas não aprontam nesses lugares? — Emily usa sua voz sonsa e meu pai solta uma lufada de ar.

— Por acaso você usou drogas? — meu pai fala ainda num tom de voz alto.

— Não. Apenas bebi, olha só Bella Carter estava bebendo e dirigindo, é o fim do mundo. — ironizo e meu pai me encara furioso.

— E aquele seu amigo? Noah? Você fica bêbada perto de homens, isso é perigoso, querida. — Emily fala para mim e eu respiro fundo antes de responder.

— Perigoso, porque? Se seu medo é que eu transe com Noah, pode ficar tranquila. Ele é meu amigo, só faço isso com outros. — eu falo dando de ombros e meu pai me olha em choque.

— Como é, Bella Carter?

— O quê? Não vai me dizer que você achou que eu fosse virgem? Qual é, pai? — eu respondo sem dar importância e meu pai fica mais branco que papel.

— Está vendo, querido? O que as influências não fazem... — ela alisa os ombros do meu pai.

— Cala essa sua boca, piranha. Não se cansa de manipular meu pai não? Já não basta roubar o dinheiro dele, tem que se meter na minha vida também?

— Bella, já chega! Estou exausto. Toda essa conversa encheu minha paciência. Você não vai agir dessa maneira na minha casa! Vai pro seu quarto. — ele aponta para a porta.

— Desculpa por passar do ponto dentro da sua casa. Pode ter certeza que assim que fizer dezoito anos sairei desse inferno! — eu saio e bato a porta bruscamente.

Corro para meu quarto e tranco a porta. Me deito na cama abraçando meu corpo e me permito chorar por algum tempo, encolhida ali. Me levanto somente para pegar o porta retrato com a minha foto ainda bebê, com minha mãe. Ela tinha cabelos pretos como os meus e estava sorridente comigo em seus braços. Aliso a foto, sentindo meu peito doer.

— Oh querida, o que foi? Sentindo falta da mamãezinha? Que pena que ela está morta!

— Aquela vadia da sua mãe nunca estaria à altura de um homem como George, eu sim!

— Estava tentando se matar, por acaso? Meu Deus, você é tão estúpida... Quer se juntar à sua mamãe? Por mim, não faria falta...

Algumas das frases que a desgraçada da minha madrasta já falou pra mim, enchem minha cabeça e eu sinto meu rosto lavado em lágrimas. Da última vez, ela viu um corte um pouco profundo, nos meus braços e percebeu que eu tinha enfiado uma lâmina de propósito.

Me sinto exausta e enfio com força as unhas nos braços, tentando fazer com que a dor física, amenize minimamente a dor psicológica, mas não adianta, não passa...

— Me desculpe, mãe, eu queria ser forte, mas é tão difícil, porque tem que ser tão difícil sem você aqui? — murmuro baixinho.

Apenas me deito em minha cama e choro por horas, enquanto espero o sentimento terrível passar, abraçando o porta retrato com a foto de minha mãe.






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