Capítulo 8

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— Serenity!— a voz preocupada da minha mãe, tirou-me do meu mais sombrio pesadelo.

Minhas mãos estão suadas, meu coração acelerado. Trago desesperadamente ar para os meus pulmões.

Minha cabeça está me matando. Eu preciso confessar tudo, passar a culpa, o erro e a raiva para outra pessoa. Tem um monstro nas minhas entranhas, posso ouvi-lo arranhar minhas costelas. Existe alguma forma de reprimir minhas memórias ou medos?

— Olhe para mim quando estiver a falar contigo!— meu pai gritou, fora de controle.

Permaneço imóvel, tentando controlar minha respiração ofegante e me recuperar do terrível flashback que acabara de ter. Aquela noite é uma lembrança dolorosa que terei que conviver pelo resto da minha vida.

— Não estamos a pedir muito. Nós só queremos que faças o teu melhor, e sabemos que o teu melhor é muito melhor do que isso.— minha mãe permanece calma, mas o sofrimento na sua voz é palpável.

Meu pai bufa como um touro.

— Eu disse olhe para mim.

Fecho os olhos.

— Olhe para mim agora!

Esta é a voz da morte. Quando era criança, essa voz me fez fazer xixi nas calças. É preciso mais do que isso agora. Eu olho nos olhos dele.

Você ficaria chocado com quantos adultos estão realmente mortos por dentro — andando por seus dias sem ideia de quem são, apenas a espera de um ataque cardíaco ou um caminhão para vir e terminar o trabalho.

Me levanto e caminho para fora da mesa. Ouço os gritos do meu pai, mas subo as escadas sem olhar para trás.

Toda essa porcaria que você ouve na televisão sobre comunicação e expressar sentimentos é uma mentira. Ninguém realmente quer ouvir o que tens a dizer. Apenas nos comerciais esse tipo de coisa funciona.

Como ele reagiria ? Como ele se sentiria se soubesse que eu fui estuprada? Me trataria como está me tratando agora? Sentiria pena de mim, vergonha ou me culparia? Nada. Ele não sentiria nada. Simplesmente não tem essa capacidade.

Abro a torneira da banheira para abafar os gritos que vinham do andar de baixo. Eu só quero dormir. Um coma seria bom. Ou amnésia. Qualquer coisa, apenas para me livrar desses pensamentos que sussurram na minha mente. Ele estuprou a minha cabeça também?

Entro na banheira.

Em quantas partes se pode destruir alguém? Eu não tenho nenhum desejo particular de viver. Não tenho nenhum desejo particular de morrer. Para mim, é uma questão de indiferença. Eu preciso mesmo é de parar meus pensamentos por alguns milésimos segundos. Eu só preciso silenciar a minha cabeça. Só um pouco.

Eu encho meus pulmões com ar e flutuo em cima da água, depois sopro toda a minha respiração e afundo.

É isso? A vida vai se resumir a dor? Eu nunca mais terei minha autoconfiança de volta, minha autoestima ou meus pensamentos no lugar? Como recuperarei os meus sonhos? Como me livrarei desse nojo que tenho do meu próprio corpo, a vergonha de não ter conseguido controlar meus próprios impulsos ou a culpa de ter sido tão burra e estúpida?

Oh Deus, eu não sonhei isso para mim.

Eu quero voltar no tempo em que não conhecia essa dor. Me deixe recuar, por favor. Trave o universo, inverta a ordem da vida e acabe com o meu sofrimento. Se eu estiver condenada a sofrer pelo resto da minha vida, eu prefiro ir descansar.

Meus pulmões latejam.

Sabe quando você sonha que está se afogando? Não consegue respirar, quer sair do sonho a qualquer custo? Na vida real é bem pior. É assustador, doloroso e sufocante.

Dizem que a vida inteira passa pela tua cabeça quando vais morrer. Mas eu só consigo pensar em... Eu fui realmente estuprada? Que tipo de pessoa tem um orgasmo ao ser estuprada? Eu não o queria, mas eu gostei. Não, meu corpo gostou. Eu não o queria. Eu disse não. Mas meu corpo disse sim. Por que eu não consegui controlar o meu próprio corpo?

Eu não o queria. Eu não o queria. Eu não o queria. Eu não o queria. Eu não o queria. Ele estuprou-me. O meu coração disse não. Não é o coração mais importante que o corpo?

— Filha. Filha. Filha.

Abro meus olhos e volto para a superfície.

Eu não posso deixar isso me matar. Eu quero viver. Estou machucada agora, mas ainda assim, quero viver. Eu quero crescer.

Começo a tossir para expulsar toda a água que havia engolido, enquanto sinto os braços da minha mãe envolver o meu corpo.

Eu fui estuprada. Eu fui estuprada. Eu fui estuprada.

— Estou aqui. Eu te amo. Converse comigo, o que aconteceu?— seus olhos desesperados procuram por respostas.

Eu olho no fundo dos seus olhos. Os meus olhos.

Meu estômago revira, enquanto seu rosto enturva.

Você sabe exatamente o que aconteceu.

Sábado, vinte e três de Julho na rua Alexander Street? Sean Daniel estuprou-nos quando éramos muito jovens para saber o que estava acontecendo.

Você estava lá.

Choraste a noite inteira. Cobriste a boca com o travesseiro e gritaste até a garganta doer. Naquela noite, tudo parou de fazer sentido. Os soluços? Eles duraram a noite inteira, e mesmo enquanto dormias, eles podiam ser ouvidos. Passaste a ter medo de sair de casa, paraste de falar e acreditar nas pessoas. Como te podes esquecer do motivo de estares no fundo do poço?

— Quando as pessoas não se expressam, morrem aos poucos.— sua voz é tênue, porém carregada de aflição.

— Então, por que não contaste para alguém?

Seus olhos escurecem.

Como ela conseguiu viver todos esses anos em silêncio? Aconteceu. Não há como evitar, não há como esquecer, fugir, voar, enterrar ou esconder-se. Não temos culpa. Ele estuprou-nos.

Eu não consigo explicar a razão de ter tido um orgasmo, mas eu não queria. Foi uma reação involuntária. Eu juro. Não existe um segundo sequer que eu não lamente a minha virgindade. Ele roubo-a de mim.

Que garotinha de catorze anos sonha em perder a virgindade com um homem de vinte e cinco anos que acabou de conhecer numa festa? Eu nem sequer deveria estar ali. Eu deveria estar em casa, assistindo Gilmore girls e me entupindo de Pringles. Minha rebeldia, minha curiosidade e inocência foram a minha própria destruição.

Do fundo do coração, sei que nunca mais terei minha inocência outra vez. Mas eu preciso vencer a minha dor e seguir o meu caminho. Nós precisamos.

Nós sobrevivemos. Estamos aqui. Abaladas e confusas, mas aqui.

— Quem é você?— ela questiona, apavorada.

— Eu sou você.

OrgasmoOnde histórias criam vida. Descubra agora