Não consigo precisar com exatidão o momento em que percebera que algo estava errado.
Algo na maneira como ele falava? Como ele olhava para mim com aqueles olhos castanhos enormes? Foi gradual. Pequenas piadas sobre o tempo, ligeiros toques enquanto falava e quando me apercebi, meu próprio corpo virou-se contra mim.
Quando somos jovens, não pensamos em como um único momento pode mudar toda a nossa vida. Até aquela noite, não tinha percebido o quão frágil era a felicidade, como se você fosse descuidado, poderia derrubá-la e quebrá-la.
Antes da minha avó morrer, suas últimas palavras para mim foram: " Tudo tem sua hora própria. Até mesmo o céu tem horário para às trevas."
Lembro de reagir com ignorância. Dois dias depois, teve um derrame e deixou esse mundo para trás.
Foi apenas quando minha avó cruzou a ponte que mais ninguém poderia cruzar que eu me apercebi que estava tão preza na busca incessante pelo inalcançável que não conseguia mais enxergar o óbvio. Tão consumida pelo vento, embalada na toxicidade em que se vive. Caminhando sem saber para onde ir, vendada, confiando em guias cegos.
Não conseguia enxergar que o mundo está se transformando numa selva. E quando meus olhos se abriram depois daquela noite, então eu pude ver claramente que tudo que eu acreditava ser importante, na verdade era como correr atrás do vento.
Avó, você tinha razão. Eu sou fútil.
Por que estamos correndo? Por que temos tanta pressa? Por quê essa ânsia de vivermos uma vida inteira em vinte e quatro horas? Do que estamos fugindo?
Por que queremos namorar aos doze? Por que queremos emagrecer em dois dias? Ter um carro aos dezesseis ou ficar milagrosamente ricos aos dezoito? Por que precisamos estar formados aos vinte e três? Ter uma casa antes dos trinta? Por que precisamos sempre ter alguma coisa para fazer? Para alcançar, para buscar.
Depois da noite em que tudo ficou escuro e fui obrigada à desacelerar, nada foi a mesma coisa. Existe uma infinita gama de coisas que você só aprende quando desacelera a vida. Ela ganha um novo sentido. O pôr-do-sol já não é o mesmo, as músicas ganham um novo significado e tarefas simples que seguíamos de olhos fechados parecem assustadoramente difíceis.
A vida é frágil.
Eu viro à página do livro didático.
Há um capítulo interessante sobre o sistema reprodutor. Nada sobre sexo. Não estamos programados para aprender sobre isso na escola. Infelizmente, nem sequer em nossas próprias casas.
Meus ombros encontram as costas da cadeira, inclino a cabeça para trás.
Ensinam muitas coisas às garotas: como devemos nos vestir, sentar, portar. Ninguém fala sobre sexo. Sobre como o nosso corpo reage aos estímulos ou sobre o que acontece depois. Depois que às luzes se apagam e a escuridão é a nossa única companhia.
O lado oposto de "fazer amor". O lado que ninguém quer falar. O lado feio do sexo.
Eu assisti alguns vídeos pornográficos. Parece extremamente fabuloso e deslumbrante. Mas como posso confiar em pessoas que gravam suas próprias vulnerabilidades? Eu realmente gostaria de saber se o problema está em mim ou às pessoas acreditam nas suas próprias mentiras.
Sempre tive muita vontade de fazer sexo. Me perguntava se doeria tanto assim.
Nunca criei muitas expectativas, mas elas estavam ali presentes inconscientemente, alimentadas pelas séries e filmes que assistia. Que idiotice achar que podemos aprender sobre amor em filmes e séries. É uma grande ilusão.
Eu sabia que não conseguiria me guardar até o casamento, porque eu assistia pornografia desde os meus nove anos e minha vontade era alimentada dia após dia. Eu tinha consciência disso. Eu tinha catorze e metade dos meus pensamentos eram sobre sexo. Em alguma parte do caminho isso aconteceria e vinha me preparando emocionalmente para quando o momento chegasse.
Desejava em segredo que essa pessoa me amasse o suficiente para querer ficar depois disso. Que ele se apaixona-se por mim e me deseja-se o resto da vida.
Até ontem eu queria um amor sobre-humano. Super-heróis sem capas ou super poderes, mas que ainda assim me fizesse sentir como se estivesse em um conto de fadas. Não queria algo simples e sereno. Eu achava que na vida real, no amor deveria existir drama, reviravoltas e ambiguidades.
Passamos à adolescência toda à espera que alguém venha nos salvar. Que magicamente alguém perceba que somos de alguma forma diferentes ou mais especias que outros e por isso mereçamos um amor diferente, mágico. Um amor com direito a lutas intensas, demonstrações de amor exageradas ou uma salvação milagrosa dos nossos velhos traumas ou defeitos.
Então você cresce e percebe que na vida real, o amor é tudo menos complicado. Ou você está errada, ou você está com a pessoa errada. Não existem reviravoltas mirabolantes ou aventuras de outro mundo. É apenas sobre duas pessoas que decidiram amar-se e fim.
Precisamos falar sobre como às expectativas podem nos destruir.
Hoje, neste exato momento já não sendo virgem e percebendo como eu não tive nem um terço do que eu desejei em segredo, me destrói. É como se uma parte minha fosse roubada e eu nunca mais serei a mesma. O vazio que sinto agora é insuportável e o pior é que ninguém pode me ajudar.
Eu me sinto um total desperdício de vida e não acho que exista esperança para mim.
Minha ilusão. Minha superficialidade. Minha burrice. Meu próprio corpo foi a minha destruição.
Sinto as lágrimas molharem o meu rosto novamente.
Eu quero a minha mãe.
Eu quero o colo da minha mãe.
Eu não consigo ser forte sozinha nesse momento.
Eu preciso partilhar a minha dor. Eu preciso contar sobre aquela noite ou vou enlouquecer.
— Serenity, querida.— sua voz surge do nada e meu coração acelera.— O jantar está pronto, por favor não torne a situação mais difícil e venha para a mesa.
Me apresso em limpar o meu rosto.
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Orgasmo
Teen FictionSerenity encontra-se num dilema perturbador: ela foi estuprada e não consegue contar a verdade para ninguém, porque ela sentiu prazer e teve um orgasmo.