Capítulo 6

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A segunda vez dói mais que à primeira.

Foi o que descobri quando deixei Max transar comigo naquela noite.

Ele não foi bruto ou fez comentários obscenos no meu ouvido enquanto se vinha. Também não me fez ter um orgasmo como Sean, por mais que tenha tentado. Não arranhou a minha pele ou foi tão fundo ao ponto de senti-lo no meu estômago dias depois. Mas ainda assim, doeu bem mais com ele do que com Sean.

As pessoas dizem que costuma ficar mais fácil depois da primeira vez. Acho que já não acredito nas pessoas. Ou talvez essa regra só se aplica a pessoas que não foram estupradas, eu não sei.

Havia alguma coisa que me impedia de sentir qualquer outra sensação que não fosse dor. Não foi só fisicamente. Meu coração se despedaçava a cada estocada. Como se aquilo fosse mais errado que de facto ser estuprada por Sean. E quando ele finalmente se veio, eu logo soube: eu jamais voltaria a ser a mesma pessoa, não importa quantas pessoas entrem em mim e falem coisas bonitas no meu ouvido.

Foi só naquele momento que percebi o enorme estrago que Sean havia causado em mim. Em como os anos iriam avançar e eu jamais poderia avançar com eles. Eu nunca mais seria feliz com outro homem, porque tudo me lembrava ele. Que de alguma forma ele sempre estaria lá presente. Me sufocando.

Ele não apenas tinha se apoderado do meu corpo, ele estava presente em tudo. Onde quer que eu olhasse e até mesmo ao fechar os olhos. É, roubou-me de mim mesma. E quando pensei que Max estava me trazendo de volta a superfície, a realidade fez-se presente novamente. Toda aquela noite caiu sobre mim com tanta veemência que voltei a me silenciar.

Max e eu nos conhecemos na aula de Espanhol. Ele tinha acabado de se mudar e não conhecia ninguém no colégio.

— Oi.— ele acena com um pequeno sorriso e senta-se perto de mim, na última fileira da sala.

Não respondo.

Mantenho meus olhos no teto até que a aula comece. Acho que estou estragada. Em outra época, estaria me derretendo por dentro com à presença de um garoto bonito perto de mim. Me sentiria especial e tentaria parecer sexy. Mas cá estou eu vidrada no teto, com calças de canga, moletom e um coque mal feito, desejando não ser notada por ninguém ou que eu simplesmente desapareça.

A vida é engraçada. Uma hora você quer atenção e fama, e um segundo depois quer apenas desparecer e não dar nas vistas.

Meus olhos deslizam silenciosamente para o lado e percebo que o garoto novo com sotaque inglês não tem livro de Espanhol. Rolo meus olhos. Penso por um segundo em simplesmente ignora-lo.

Maldita educação!

Empurro o livro na sua direção, não antes de tirar algumas fotografias para que eu mesma pudesse acompanhar. Ele sorri e agradece, mas eu apenas continuo olhando para frente.

Assim que a aula teve fim, ele entregou-me o livro e perguntou como eu me chamava. Eu fiquei alguns minutos o encarando. Pensei por alguns instantes em como eu seria uma garota normal se Sean não tivesse abusado de mim. Aposto que estaria tagarelando com ele neste exato momento. Mas eu estou amargurada, ferida e cansada.

Não sei como ele interpretou o meu silêncio, mas na manhã seguinte ele simplesmente começou a fazer gestos esquisitos para mim. Eu sorri, porque sabia que ele havia deduzido que era muda ou surda. Ele parecia mais patético que eu, e ele conseguiu não apenas arrancar um sorriso, mas minhas primeiras palavras depois de longos sete meses de completo silêncio.

— Eu não sou muda.— murmuro, revirando os olhos.

— Eu sabia, eu perguntei ao professor. Eu só queria fazer-te falar e bem, resultou.— afirmou, orgulhoso de si mesmo. Poderia até mesmo afirmar que seus olhos chegaram a brilhar, ao ouvir a minha voz.— Eu nem sequer sei o que significam os sinais que acabei de fazer.

— Parabéns.— resmungo, impassível.

— Obrigado, é um dos meus dons. Na verdade, acho que vou me especializar nesta área, de comunicação. Sou bom com às pessoas.— revelou, enquanto desarrumava a mochila.

Eu olho para ele.

O que será que passa na cabeça dele? Ele ao menos percebe que o estou ignorando?

— Empresta-me uma caneta?— sua boca se curvou num sorriso. Dessa vez não foi qualquer sorriso. Foi aquele sorriso. Pela primeira vez em meses, eu senti que alguém realmente estava se esforçando para me fazer falar e sorrir.

Eu não deveria dar tanta importância ao ruivo do meu lado, mas meu coração já tinha dado cambalhota.

Max levou um mês para me fazer dizer o meu nome e mais dois meses para ouvir uma frase com dez palavras de mim. Mas ainda assim, ele tinha feito mais do qualquer outra pessoa. De repente eu me sentia ansiosa para assistir às aulas de Espanhol e encontrá-lo lá sentado, imaginando qual seria o próximo objeto que me pediria emprestado.

— Eu quis dizer-te isto desde o primeiro dia em que te vi: se não tens condições, não estuda.

Ele ri.

Sua risada aquece o meu coração. Quero ouvi-la novamente.

— Sério.— faço uma careta.— Você nunca vem a uma aula sem que esteja a faltar alguma coisa. Ou tu não tens uma caneta, um livro, um caderno. A escola fornece tudo isso, não faça os seus pais envergonhar, por Deus.

— Na verdade, eu o faço para quando ter que devolver poder tocar na sua mão.— confessa, com um pequeno sorriso tímido.

Eu coro.

Essa simples frase. Essas pequenas palavras fazem meu coração revirar até não poder mais. Essa é a coisa mais doce que alguém alguma vez disse para mim. Onde você esteve este tempo inteiro? Porque não apareceu antes de Sean me ter estuprado?

— Já agora, preciso de uma caneta novamente.

Eu sorrio.

Max era totalmente o oposto de Sean. Seus toques eram delicados e cautelosos, seus lábios macios e gentis. A forma como ele sorria e pedia permissão para ter acesso ao meu corpo deixariam qualquer garota feliz. Qualquer garota que não tenha sido estuprada.

Eu queria que ele tivesse sido Sean. Não me importaria de ser estuprada por ele. Acho.

Max me fez viver os melhores seis meses desde o ocorrido e pela primeira vez senti que poderia voltar a ser feliz. Eu realmente achei que tudo poderia voltar ao normal. Que idiotice achar que se pode arrancar as tripas do próprio corpo. Eu jamais voltaria a ser a mesma pessoa, não importa quantos garotos decentes e carinhosos tocassem a minha alma. Ela já estava destruída demais.

— Tudo bem?— sua voz é doce e cautelosa.

Apenas faço que sim e ele continua com os movimentos lentos e sutis. Ele geme algumas vezes e sussurra coisas como "eu te amo" ou "linda". Mas essas palavras não tocam o meu coração, ao contrário, quero que ele pare. Mas já é tarde demais, voltei a me silenciar.

Não sei quanto tempo durou, mas soube que havia acabado quando saiu de cima de mim e jogou fora o preservativo. Eu fiquei imóvel por alguns minutos, pensando em como toda aquela sensação de mal estar, o sentimento de solidão e dor haviam voltado com a mesma intensidade que se foram.

Sean voltou a tomar conta dos meus pensamentos, mas desta vez com mais força.

É assim que me sentiria o resto da minha vida? Toda vez que alguém me beijasse, eu sentiria os seus lábios pelo meu corpo? Seu cheiro a suor seria a única coisa que sentiria pelo resto da vida? Por mais suaves que fossem os toques de outro homem, eu continuaria sentindo a minha pele esquentar e sangrar? E quando alguém entrasse em mim, a dor seria duas vezes pior? Passarei o resto da minha vida odiando o meu próprio corpo?

Eu queria que alguém tivesse me dito que ser estuprada, é como morrer e continuar a respirar. Não há nada mais que um corpo adoecido. Alma. É tudo o que eu já não tenho.

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