MARIANA

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Hoje eu senti saudade dela. E percebi que todos os anos que convivemos, eu nunca visitei a primeira linha do Instagram dela.

A primeira vez que vi Mariana, há uns 5 anos, ela estava nervosa. E essa é uma história da qual eu sempre vou gostar. Ela tinha um problema e nenhum dos funcionários amargurados, cansados e evidentemente mal pagos atrás do balcão do serviço ao aluno da faculdade pareciam querer ajudar. O sotaque marcado dela foi a quebra cômica da situação e eu agradeci em silêncio ao universo porque a próxima quebra seria facilmente de um ornamento da sala ou os óculos de alguém. A moça loira, alta e notoriamente bonita se afastou do balcão, com raiva e o rosto bem rosado. Levantei de uma das cadeirinhas desconfortáveis e quebradas da sala de espera e toquei o braço dela. 

"Do que exatamente você precisa, moça?". 

E vi no rosto dela uma série de expressões diferentes correrem. Mas posso dizer que uma delas foi alívio por alguém ter se disposto a resolver a aflição dela. Dali em diante, resolvemos quase diariamente aflições uma da outra. Ao menos tentamos. E ela se tornou a irmã que a jornada me deu. 

Mariana tem olhos atenciosos, embarca na narrativa. E há duas semanas embarcou pra um lugar a 3736,4km de distância. Eu ainda não consigo aceitar a ida dela, apesar de entender todos os motivos e concordar com cada um deles. Mas com a despedida, entendi que uma parte da minha existência é diretamente ligada à dela e eu jamais imaginei ter que colocar um país inteiro entre essas existências. Passei os primeiros dias dedicada a revisitar a maior quantidade de memórias possível, até perceber que isso era bem mais doloroso que o necessário. O que se faz quando a pessoa que me diz que tudo vai ficar bem é pivô da minha inquietação?

Geralmente eu sou uma pessoa prática, vou direto à solução do problema. Mas não quando se trata de Mariana. Mariana é o que existe de mais sensível em mim. Ninguém fala de Mariana pra mim. Muito desse arco foi pesado. E eu refleti conscientemente sobre o recorte de Mariana ao qual eu tive acesso. Eu vou usar uma expressão egocêntrica, mas eu gostaria que você compreendesse como "aquilo que existiu pra além do intervalo do qual eu participei e pude observar".

"Antes de mim" Mariana colecionou muitas histórias, e o sorriso de empolgação sempre foi uma característica muito marcante. Ela tem o entusiasmo de uma criança  pra explorar o mundo e isso a torna um dos seres humanos mais iluminados e cativantes que eu tive a dádiva de conhecer. Mas vamos voltar à visita à primeira linha do Instagram de Mariana. Uma criança. Mariana refletia a alma de uma criança. Oito postagens depois os olhos dela haviam mudado. Não dá pra dizer que algo estava errado, mas certamente as coisas já não estavam como eram no início (do recorte do Instagram). Mais seis posts à frente, Mariana tinha lágrimas nos olhos. Mesmo com tanta luz, com paisagens tão lindas, além da própria beleza. Talvez a essa altura se questionava sobre as próprias escolhas. E possivelmente, conhecê-la tão bem era o motivo de ouvir a voz dela fazendo centenas de questionamentos enquanto via as fotos.  

Aqui, senti o calor de uma lágrima pesada. De empatia, de saudade e de amor.

Ela foi roubada de si por muito tempo e talvez nunca tenha percebido. Se forçou a acreditar nos conceitos de felicidade e realização que lhe foram ensinados nos últimos anos. Mas afinal, pra que Mariana foi feita?

Eu precisei de espaço até demais pra pensar sobre ela e tudo o que ela representa. Já cheguei a me perguntar o porquê de não ter pensado enquanto ela estava aqui. Mas me conforto e me alegro por saber que todos os momentos foram usados pra construir as memórias que fazem ela parecer tão "aqui".

No último jantar eu disse que a amava. À mesa, enquanto tudo ao redor pareceu abaixar o volume. A conversa das meninas e das outras mesas, o sax, os pratos quentes no balcão, as taças, os sapatos dos garçons no chão amadeirado. Encarei a irmã da minha alma por dois segundos e recebi o típico olhar alegre de julgamento dela que geralmente vem seguido do meu nome pronunciado com a sílaba tônica propositalmente incorreta pra me corrigir de seja lá o que eu esteja fazendo. Eu só consegui sorrir. Não poderia deixar ela me ver chorar. Seria mais difícil ainda pra ela.

O silêncio foi por amor, eu juro.

O vazio entre palavras pode carregar mais do que se imagina. Mesmo assim, sem um pingo de constrangimento, eu gritei no estacionamento daquele restaurante chique, num bairro nobre "Eu te amo, Mariana."

O QUE ME OCORRE NO BANHO DO FIM DO DIAOnde histórias criam vida. Descubra agora