MINHA CARTA DE ADEUS

34 2 2
                                    


Esse é meu adeus. Uma despedida desesperada que não pode esperar eu terminar um relatório, esquematizar o roteiro de um documentário, sequer listar os conteúdos do cronograma semanal do escritório. Eu tive que lutar com as lágrimas que me recuso a derramar e que inflamam minha garganta. 

Não posso te culpar por nada. Eu quis ir até você e eu deixei você chegar perto. Mas o que me dói é não saber em que momento você enxergou no meu rosto um fantasma do seu passado. Naquela noite você me perguntou se seu senti sua falta. Mas como poderia, se nunca havia visto aquelas paredes antes? Nunca me senti tão sozinha estando a menos de 15 centímetros de distância de alguém. Não posso dizer que fui usada, porque você também cumpriu um propósito muito pontual. Mesmo assim, em nenhuma das minhas 28 hipóteses que previam 11 formas diferentes de você me magoar conseguiram supor que você veria outro alguém em mim. Eu queria tanto sentir raiva de você...

O problema é que eu não consigo. Porque tudo pareceu um sonho. Eu lembro pouco de como é o seu rosto, e esqueci o seu cheiro. Tenho a vaga impressão da sua pele ser morna o suficiente pra me fazer sentir viva, mas isso também pode ser parte da ilusão. Acho que no meio do caminho, perdi a mão do que é real em você. E talvez eu te prefira assim: como um sonho. Um sonho que nunca mais vai se repetir. 

Você cantava, olhando pra mim com olhos distantes. Eu deveria ter imaginado.

Você cantou Armandinho. Eu realmente deveria ter imaginado.

"Talvez não seja nessa vida ainda, mas você ainda vai ser a minha vida.". Sinceramente, como eu não percebi?

É possível que você seja só mais uma alma machucada, e eu jamais poderia odiar isso. Não tenho coragem de odiar você. Não, sabendo que eu demorei pra me curar. Quanto tempo eu não levei pra aprender a olhar em volta e aceitar que o que é, simplesmente é? Você, aliás, Bethânia tinha razão.

"É tão difícil olhar o mundo e ver o que ainda existe..." - Eu lembro da sua voz cantando isso.

Aqueles sorrisos não foram pra mim. Você não cantou pra mim. Nós sequer dançamos juntos. Apesar de tudo isso ter sido parte desse sonho. Eu não consigo evitar de me perguntar quem seria ela. O que aconteceu pra ela ser uma lembrança viva o suficiente a ponto de você conseguir empurrar uma máscara no rosto de uma desconhecida e fingir que ela ainda existe? Será que me pareço com ela? Será que ela também cantou pra você?

Espero ler o que você escreve. Espero que veja seus vizinhos virando grandes jogadores e que aquele seu amigo modelo te leve pra passar férias em Milão. Espero que Armandinho faça sentido pra você, que você dance como se ninguém estivesse vendo (o que é impossível, quem não veria você?). E que você seja o padrinho mais divertido do mundo.

E que nunca mais, nunca mais, invada um sonho meu. Por favor.

Permita que Maria Bethânia ainda seja uma lembrança doce. 

Você não ficou, mas as canções podem ficar. 




O QUE ME OCORRE NO BANHO DO FIM DO DIAOnde histórias criam vida. Descubra agora