03 - Tem alguém aí?

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- Suspeito de matar a Paloma? - Miriam indagou. - Como assim?

- Não sei! - Larissa respondeu, chocada. - Só sei que tá o maior bafafá lá perto da delegacia. Prenderam ele enquanto ele saía pro almoço, mas o povo sabe de mais nada. Só que foi preso mesmo.

- Que horror... O próprio pai.

- Pois é, menina - Larissa refletiu. - E deve ter mais podre nessa história... Ano passado teve um rolê parecido aqui, de um pai fazendo isso. Matou ela porque tinha ciúmes do namorado dela, acredita?

As duas começaram a andar juntas em direção à saída do colégio.

- Acredito - Miriam respondeu indignada. Não era a primeira vez que ouvia esse tipo de história acontecer.

Miriam desceu do ônibus vazio e caminhou por umas três quadras antes de chegar em casa. Dessa vez a busca pela tranquilidade do seu pai tinha ido longe demais: decidiu alugar uma casa nova, grande e bonita, mas distante. Ficava em um bairro com loteamentos novos e as quadras eram grandes amontoados de gramados descontroladamente altos com casas bonitas, mas esporádicas. Devia ter no máximo três construções por quarteirão - e eles eram grandes.

O bairro era cortado por uma grande e comprida avenida, com tamanho desproporcional à pouca quantidade de carros e pessoas que circulavam por lá. No centro do canteiro largo, torres altas se enfileiravam por quilômetros a fio para carregar diversos cabos de energia da periferia da cidade, onde ficava a principal estação de energia, para o centro.

- Não, obrigada - recusou de uma senhora as cocadas que vendia. Precisa de um local melhor e com mais clientes, a garota pensou.

Chegou ao destino e apertou o controle para o portão da garagem abrir, já que o portão menor e principal dificilmente funcionava. Nenhum carro estava lá dentro, então dava a sensação de ainda mais vazio. Tudo naquela casa era espaçoso e desnecessariamente minimalista, até o jardim com um gramado largo e amplo que recebia apenas alguns recém plantados coqueiros.

- Boa tarde, meu amor - a mulher esguia esperava sentada na mesa e levantou-se quando viu a garota chegar. Caminhou até ela com dificuldade, quase sem forças e tomou-a num abraço delicado. - Como foi a aula?

Simplesmente não parecia a mesma pessoa que havia a agarrado dias antes.

- Foi normal - Miriam respondeu um pouco ríspida, mas depois se arrependeu. Deveria ter sido mais simpática, pois estava feliz que a mãe aparentemente estava em um dia de alta. Então decidiu fazer melhor: - E o seu dia, como foi?

- Ah, ok - respondeu singela. Soltou Miriam e voltou para seu assento. A mesa estava posta com apenas um prato. Ela apontou para que a filha se sentasse. - Cátia me ajudou a fazer o almoço hoje. Gosto de cozinhar para vocês. Quando seu pai voltar de viagem, vou fazer um jantar.

- Que legal! Podia fazer a comida favorita dele - a garota sugeriu soltando a mochila no chão enquanto se servia da carne de panela. Incentivando ações positivas e produtivas porque o médico recomendava sempre e em qualquer interação.

- Boa ideia - sua mãe respondeu contente. Admirava a filha enquanto comia.

Eram bons os dias de alta. Miriam podia até brincar com sua mente e fingir pra si mesma que estava tudo normal. Que a mãe nunca tinha enfrentado um câncer com um tratamento cruel e várias cirurgias que serviram de cereja do bolo para o seu estado mental delicado; e que não tinha crises dia sim, dia não. Podia ser só um almoço feito com carinho de mãe pra filha. Só um dia comum.

- Tá bom demais - Miriam elogiou a comida com sinceridade.

- Seu cabelo tá tão lindo assim. Não canso de dizer - a mulher disse com uma voz encantada e orgulhosa. Miriam quase engasgou com a carne, mas tentou se recompor para não demonstrar o susto.

Eu Sei Quando Você MenteOnde histórias criam vida. Descubra agora