A abandonada Windera ainda tentava se soltar das algemas e Marcos estava começando a ser preparado para sair do hospital quando Miriam desceu para tomar café da manhã.
Tinha uma cena no trajeto que já estava começando a incomodar muito a garota: a quantidade de jornais acumulados na cabeceira ao lado do sofá na sala de estar esperando pelo seu pai.
- Sabe se meu pai ligou pra minha mãe ontem? - a garota perguntou entre um gole e outro da bebida preta e quente.
- Tenho visto ela falando no telefone não - Cátia respondeu de costas para Miriam enquanto lavava um pouco da louça do dia anterior. - Se ele ligou foi de noite e eu já tava no meu quarto vendo minha novelinha.
Miriam respondeu mentalmente e ficou vidrada na sua torrada com mel. Queria explorar mais o assunto e expor o seu receio, mas não conseguia tomar coragem de falar. Parecia que, se verbalizasse, o assunto viraria um problema. E daí teria que lidar com ele. E não queria mais um.
Muito menos iria perguntar diretamente para a mãe sobre o pai. Ela poderia se dar conta de que ele não ligou ou de que faz tempo que não o vê e ficar nervosa. E daí seriam dois problemas: o pai e a mãe.
A garota se jogou no sofá da sala de TV e pegou seu celular para ligar para o pai. Chamou, chamou, e nada.
Tá por aí?, mandou por SMS. Na conversa com ele já se acumulavam uma bela quantidade de mensagens enviadas por ela, sem resposta alguma.
Ele nunca respondia na hora, mas fazia em algum momento breve. Ou ligava quando via que ela tinha o chamado. Mas não foi o caso dos últimos dois dias. Então um nó começou a amarrar em sua garganta. Principalmente porque, desde a noite anterior, a garota vinha pensando seriamente em se abrir com o pai sobre o que vinha acontecendo. Não podia mais lidar com aquilo tudo sozinha.
Pessoas estavam morrendo e ela estava sendo ameaçada junto com elas. Justo Miriam, nova na cidade e sem qualquer ligação ou pretexto com aquele grupo que estava sendo perseguido. Não tenho porra de segredo nenhum, ela pensava de imediato toda vez que o assunto retornava na sua cabeça. E eram diversas vezes durante o dia.
Queria contar para o pai sobre sua carta e sobre a carta de Paloma que havia recebido. Sobre Larissa, os outros e o que descobrira junto de Dário. Queria chorar para ele, receber um abraço apertado e ser acolhida. Ouvir um Tá tudo bem, meu docinho. Papai vai resolver isso. E realmente resolver. Queria ir à delegacia acompanhada dele e dizer tudo o que sabia para que parassem aquele maníaco que se achava no direito de brincar e matar adolescentes indefesos e acuados. Queria que, depois disso, seu pai chegasse de repente mais uma vez e dissesse que estariam se mudando de cidade de novo dali poucos dias. Desta vez, não iria nem questionar. Apenas fazer sua mala e ir.
Não ia perguntar os motivos. Não ia se incomodar se a mudança fosse deixar sua mãe confusa mais uma vez. Não ia achar ruim mais um período de adaptação delas duas num lugar novo. Não ia confrontar o pai por mais uma mudança de trabalho sendo que ele mal ficava em casa. Só queria recomeçar mais uma vez e deixar os problemas na cidade anterior.
Miriam trocou de cômodo e foi para o sofá ao lado da pequena montanha de jornais. Folheou todos. A maioria era de jornais nacionais ou do estado, mas havia uma ou outra edição local.
"Prefeito Olavo: Compromisso com Albuquerque há mais de 25 anos" dizia a manchete de uma notícia. Abaixo dela, uma foto do atual prefeito ainda jovem posando ao lado do prefeito da época durante o que parecia ser a inauguração de uma ponte sobre um rio largo.
A garota já tinha visto o prefeito em algumas ocasiões na TV e pessoalmente no velório de Larissa. Sempre imponente e com o rosto na sombra do grande chapéu de boiadeiro. Mas na foto estava diferente, óbvio. Mais jovem, magro, sem bigode, sem marcas de velhice no rosto e com cabelo comprido quase chegando nos ombros. E estranhamente familiar. Miriam já tinha visto aquele rapaz, talvez um pouco mais velho que na foto, mas indiscutivelmente aquele homem.
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Eu Sei Quando Você Mente
TerrorPrimeiro, uma carta sem remetente com um aviso: alguém sabe o seu segredo mais profundo. Dias depois, uma ligação anônima. Se não confessá-lo na linha, é assassinado. Não hesite. Eu sei quando você mente. É assim que um psicopata assombra oito joven...