15 - O Anônimo

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Quando supôs que já estava sozinho, Dário levou um susto com o grunhido vindo do corpo nos seus braços. Quase o soltou de uma vez e deixou a morte tombar chão abaixo, mas logo se deu conta de que não era tão morrida assim.

Felipe fez um estalo profundo com a garganta e puxou o ar para dentro dos pulmões com furor, como alguém afogado que abocanha o ar após retornar à superfície. Não teve forças para mandar energia ao resto do corpo, então se manteve molenga no colo do outro rapaz, que o admirava meio assustado, meio aliviado por vê-lo vivo.

- Calma, calma - Dário pediu com atenção para que Felipe de fato não se mexesse muito. Aquela quantidade de sangue que havia em suas roupas já dava o alerta de que os ferimentos não podiam ser estressados. O garoto magricela tinha um olhar pálido de pálpebras pesadas que dificultavam reconhecer seu arredor.

Dário puxou um de seus braços debaixo da costela de Felipe e pôs sobre o rosto dele, limpando um pouco do sangue e gotas de chuvas para que ele respirasse e visse melhor. Felipe grunhiu tentando falar, mas não conseguiu e se conteve em apenas limpar a garganta.

- Fica de boa, fica de boa - Dário pronunciou do jeito mais claro e alto possível para que o garoto semi-vivo o entendesse bem. Não sabia muito exatamente como proceder naquele tipo de situação, só lembrava que o correto seria ficar parado e esperar ajuda. Ou talvez não. Não sabia. Não lembrava. Estar com alguém morrendo nos braços deixava a mente confusa.

A imensidão escarlate não ajudava os ânimos a ficarem calmos. Dário pensou em buscar os ferimentos do garoto para pressionar e impedir que perdesse mais sangue. Mas era tanto que hesitou. Ia tapar os buracos da peneira com poucos dedos.

- Morrer dói - Felipe resmungou as primeiras palavras que Dário conseguiu reconhecer depois de muitos resmungos e grunhidos. Não soube bem o que dizer, então mentiu:

- A ambulância já tá chegando. Eles já vem, segura aí.

De fato tinha chamado a ambulância segundos antes do garoto retornar à consciência, mas não acreditava que viriam logo.

- Tá - foi tudo que Felipe conseguiu dizer e em seguida tombou a cabeça para o lado contrário do corpo do rapaz que o segurava.

- Ei, ei, fica acordado. Se entrega não, mano - Dário pediu e, em desespero, puxou o garoto pelo pescoço para que não ficasse desmontado demais. Não conseguiu segurar as lágrimas. Até queria demonstrar força para não desacreditar Felipe, mas não pôde se conter.

- Eu vou tentar - resmungou com seu jeito delicado e deu um sorrisinho frouxo. Dário percebeu que ele estava se entregando, mas decidiu considerar o seu pedido.

- Só não dorme, não fecha os olhos - Dário queria dizer, na verdade, "só não morre". - Conversa comigo, isso, fica falando comigo até eles chegarem, ok?

- Tá bom - respondeu depois de tremer de dor. - Você vem sempre aqui?

Dário não conseguiu deixar de rir com Felipe. O contraste da tensão com aquele momento tiozão veio a calhar e foi irresistível. Mas fez com que ele se lembrasse que estava em um lugar hostil, escuro e sozinho. Vulnerável demais.

- Uma merda tudo isso, né? - Felipe se esforçou para manter-se de mente ativa, sem parar de falar.

- Pra caralho - Dário concordou. Ia puxar mais um assunto, mas o outro garoto veio antes:

- Tudo porque a gente quis guardar umas merdas de uns segredos.

Dário não soube o que responder. Sua mente foi longe porque pensava na demora da ambulância e da ajuda. Não queria que alguém morresse em seus braços. Não saberia lidar com aquilo. Não queria ter aquele registro pro resto da sua vida.

Eu Sei Quando Você MenteOnde histórias criam vida. Descubra agora