Capítulo II - Humana Tola

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Adara despertou sentindo dor na coluna, seu pescoço queimava na onde as garras do homem afundaram e seus pulsos teimavam em formigar. Grunhindo descontente, abriu os olhos, deparando-se com o antigo quarto da sua mãe no completo breu.

Piscou confusa, ela não se lembrava de ter voltado para casa. Sua última lembrança eram os olhos sinistros do homem mais sinistro ainda que encontrou na floresta durante sua busca pelo ladrão do livro da vovó.

Quer dizer, nem homem aquele ser era. Sua força gigantesca, a aparência anormal, a boca com presas, as garras em seus dedos... Eram características animalescas demais para ser considerado humano. Estava mais para um Oni, embora Adara nunca tenha visto um em sua vida, já ouviu muitas histórias sobre os demônios devoradores de carne humana. Sua própria avó contou histórias sobre, entre elas a cerca do jovem que foi curado pelo Lírio Aranha Azul e que se tornou o primeiro Oni há mais de quinhentos anos. Sem mencionar a morte de seu pai, que foi encontrado na floresta com o corpo destroçado alguns meses antes dela nascer. Sua mãe contava que ele foi atacado por um lobo, em contrapartida sua avó insistia em dizer que não foi um animal selvagem e sim um Oni.

Seu coração acelerou em pânico.

Sim... Aquele homem era um Oni, só podia ser.

E ele a trouxe de volta para sua casa por algum motivo.

Se sentou na cama que antes estava jogada, remexendo as mãos para levantá-las e tirar os cabelos rebeldes da frente do rosto. Entretanto, os pulsos juntos mal se moveram de suas costas. Estavam firmemente amarrados por um pedaço grosso de corda.

-O quê?! - grasnou, arregalando os olhos.

A respiração saía alta de sua boca, potencializada pelo medo. Adara olhou a sua volta, os cabelos de sua nuca arrepiando ao sentir que estava sendo observada.

Seus instintos não poderiam estar mais certos.

Encostado na porta do quarto, a silhueta familiar a observava sem expressão no rosto. Os seis olhos estavam colados em Adara e a boca numa fina linha reta.Os braços estavam cruzados sobre o peito musculoso, uma parte da pele pálida exposta pelo corte V de seu kimono roxo.

-Por que me trouxe de volta para casa? - ela questionou, tremendo assustada - Por que estou amarrada?

-Você não está em posição de questionar, não acha? - o Oni rebateu, fechando a porta atrás de si.

-N-não se aproxime, Oni! - avisou, de súbito arranjando força nas pernas e se levantando.

Correu para trás da cama, encolhendo-se na parede próxima da janela.

Aquilo só fez o ser sorrir de canto, divertindo-se com a situação. Um dos seus maiores entretenimentos era observar como os humanos, tão fracos e idiotas, se apavoravam na presença dele. A sensação de ser maior, mais forte e mais poderoso do que aquelas meras criaturas vis era simplesmente entorpecente para Kokushibo.

-Humana tola - repetiu o insulto, bufando um riso anasalado - Não dá para acreditar que vem de uma família poderosa o suficiente para atrair a atenção de meu mestre. É tão fraca... Tão medrosa, que o gosto de seu sangue deve ser decepcionante.

Adara estremeceu ao ouvir aquilo, em um misto de sensações horríveis. A primeira era o medo, algo normal de se ter numa situação como aquela. A segunda era vergonha por um desconhecido achar tão pouco dela. A terceira era a raiva, quem aquele Oni desgraçado pensava que era para dizer que ela era indigna de carregar o sobrenome que tinha?

Aquilo era simplesmente um ultraje! Ele não tinha a mínima noção do quanto Adara se sacrificou para ser uma Claverr. Ela teve que dizer adeus para socialização com pessoas da sua idade, para sua vontade de casar-se, de construir a própria família e principalmente para sua capacidade de escolha, Adara nasceu sendo botânica e curandeira, para ela não havia outra opção, sua mãe e sua avó impuseram suas funções profissionais e sociais desde que não passava de uma criança engatinhando.

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