Capítulo VIII - Incêndio de Vinhas

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Adara deu um jeito de se livrar do treino naquela noite. A tarefa não foi difícil como esperava, Kokushibo estranhamente cedeu seu pedido sem protestos.

Fazia seis meses que se dividia entre treinar e trabalhar no laboratório, incansavelmente, sem reclamar ou achar ruim. Jamais pensaria em fazer algo assim, afinal, a dádiva de ter se transformado num ser imortal e letal lhe conferia a possibilidade de explorar a botânica por toda eternidade sem empecilhos, criar o elixir que permitiria qualquer um de não morrer perante a doenças. Além de, é claro, recriar a flor cultuada por gerações em sua família.

Naquela noite em específico, queria dedicar todo o seu tempo nos toques finais de uma muda de ameixeira resistente à pragas e intempéries do clima. Era um presente para Yuki, o seu amiguinho humano por quem criou um carinho gigantesco em três meses de convivência. O tratava como o filho que nunca teria ... Não depois de ter se tornado Oni, soube por Tyuru que Onis são inférteis.

Kokushibo repudiava as visitas semanais que Adara fazia ao pequeno, a alertava de que era perigoso, principalmente se mestre Muzan descobrisse que ela estava criando laços com um mini humano. Foi assim que o Lua Superior 1 descobriu que Adara era mais teimosa que uma mula empacada quando enfiava algo na cabeça, embora admirasse a capacidade dela ter sentimentos tão puros por alguém. Lá no fundo de sua alma escura, Kokushibo sentiu inveja, gostaria de ter essa possibilidade de criar sentimentos tão claros e bonitos por alguém.

A Oni cantarolava uma melodia antiga enquanto terminava de arranjar a muda da ameixeira num belo vaso redondo, de cor azul claro e pequenas florzinhas laranjas que ela mesma havia confeccionado. Entregaria para Yuki naquela mesma noite e o ajudaria a replantá-la em frente a sua casinha.

-Ora, a plantinha do Pinguinho de Comida está pronta? - Tyuru adentrou o laboratório.

-Já disse para não chamá-lo assim - Adara resmungou sem desviar a concentração de sua tarefa.

O Oni soltou um chiado de escárnio.

-Mas é isso que ele é para nós, senhorita - escorou o quadril na mesa, cruzando os braços magros - Ainda estou tentando me convencer de que você pretende engordá-lo com frutas para depois devorá-lo, sabe?

-Se convencer com mentiras? - ela arqueou uma sobrancelha - Não vou comê-lo. Nem ele, nem a mãe.

Se afastou um pouco para analisar a muda no vaso. As folhas estavam perfeitas, num tom de verde intenso que alegava sua boa saúde. Adara sorriu satisfeita.

-Tudo bem, você é esquisita, com o perdão da palavra - Tyuru rolou os olhos.

-Gosto de ser esquisita - soltou um risinho, pegando o vaso.

-Uma pena que isso terá que mudar, nós buscamos a perfeição, querida.

Não foi Tyuru quem lhe deu essa resposta pomposa e com uma calmaria falsa.

Adara esbugalhou os olhos e virou-se para a entrada do laboratório. Muzan estava parado ali, vestindo sua usual roupa chique, os cabelos encaracolados bem arrumados. As mãos estavam nos bolsos da calça, havia uma falsa serenidade em seu rosto pálido voltado para Adara. Seu olhar escarlate brilhava, ele devorava a Oni com os olhos em um misto de raiva e desejo que lhe causou uma fraqueza nas pernas.

Kokushibo estava logo atrás de seu mestre, carregava algo em um saco escuro. Seu olhar também estava em Adara, porém não podia ser lido. Sua frieza congelou a mulher, ao mesmo tempo que os olhos em tons quentes, familiares e bonitos, a aqueceram, quase a fazendo derreter.

Belos e letais... Sempre.

-Oh meu Mestre, como é bom vê-lo! - Tyuru escandalosamente saudou e se jogou no chão em uma reverência mais que exagerada.

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