“É preciso uma coincidência qualquer para que o amor se instale. Existe um certo milagre nos encontros. Não é tolo dizer que o amor é sagrado.” Estou presa na página deste livro há uns quinze minutos, há tempos não me dava o direito de fazer uma leitura que não fosse sobre política. Cecilia me indicou uma autora nacional que tem lido com afinco e eu decidi ceder às suas insistências e inúmeras tentativas de me convencer. Minha amiga me conhece bem o suficiente para saber que essa leitura me arrebataria, aliás, o livro se intitula “Tudo é rio”, de uma autora mineira chamada Carla Madeira. O trecho ao qual me perdi, sentada escondida num pedacinho de jardim atrás do Congresso Nacional, pintou Simone em minha mente na mesma medida em que as palavras iam tomando forma dentro de mim. Simone foi meu milagre, o encontro mais inesperado da minha vida, mas que não me salvou de uma coincidência.O tempo estava bonito em Brasília, era uma sexta ensolarada, de vento suave, daqueles dias em que a gente tem vontade de viver e não só passar pela vida. Eu costumava almoçar sempre no escritório, presa ali entre aquelas quatro paredes enquanto o cheiro da comida se misturava ao perfume da Senadora mais bonita do Senado Federal. Às vezes me sentia sufocada de ter Simone tão perto e tão longe ao mesmo tempo, por isso, me dei ao direito de sair e almoçar fora, literalmente fora, de calça de alfaiataria, scarpins e camisa branca, sentada na grama com um livro na mão e um pote de salada na outra, que ninguém me visse naquelas circunstâncias, mas às vezes a gente tem urgência de ser humano.
Mas como silêncio nenhum é eterno a não ser o da morte, de olhos fechados, sentindo o sol me banhar, ouço um “oi” melodioso. Abro os olhos para me deparar com uma loira de meio metro, cabelos escovados, roupas impecáveis e um salto que lhe dava mais uns 5 centímetros de altura. A Senadora Soraya Thronicke me observava, cobrindo o sol que me aquecia, com um sorriso simpático nos lábios.
- Ah! Oi, Senadora Soraya. Como está?
- Bem. Ótima! Helena, não é? – Ela questiona e dá um passo pro lado, vendo que impedia o sol de tocar minha pele que só não era mais clara que a de Simone.
- Isso, Helena.
- Sei que você trabalha com a Simone. Assessora pessoal dela, não é isso? – Internamente me perguntava se aquele questionário era alguma entrevista de emprego.
- Ah, sim. Já há algum tempo. Você precisa de alguma coisa? Que eu dê algum recado a Simone? – Honestamente eu só queria aproveitar meus últimos minutos de silêncio.
- Na verdade, não. Queria mesmo é te fazer uma proposta. Conheço bem a Simone, fui aluna dela, é rígida que só com trabalho e isso reflete nos funcionários dela. E, bom, como ela não é muito de festa, vim convidar você para uma pequena social que faremos ao final do expediente. Senadores, assessores, você sabe.
- Eu agradeço muito o convite, Senadora. Mas prometi a Simone que ficaria até um pouco mais tarde para ajudá-la com algumas documentações que ela precisa para a plenária de segunda-feira. – Vesti o meu melhor sorriso e fui me ajeitando para levantar.
- Bom, você quem sabe. Se for o caso, tenta levar a Simone também, quem sabe ela não da uma relaxada. Tá precisando... – Senti uma leve alfinetada, mas no fundo eu até que concordava um pouco com ela. Simone trabalhava sempre mais do que devia, e eu junto.
Me despedi de Soraya, limpei os vestígios de grama da calça e voltei caminhando devagar para o gabinete. Enquanto meus saltos ecoavam no piso, eu pensava em uma forma de arrastar minha linda chefe para essa “festinha”.
Ao abrir a porta do gabinete – que mais parecia um apartamento de tão grande – a avistei sentada em minha mesa, as pernas cruzadas, balançando ao vento, e uma xícara de chá nas mãos. E como se meu corpo não me pertencesse mais, fico estática escorada na porta enquanto ela me encara com aqueles olhos castanho escuro, subindo devagar, de meus pés até alcançar meus olhos, sorrindo de canto como se estivesse prestes e me arrancar as roupas com os olhos. Acompanhei ela passar a língua pelos lábios e depois mordê-los levemente, a mão escorregou pela franja jogando-a para trás e eu podia declamar aqueles gestos como a poesia viva que ela era.
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Teus lábios: Minha poesia
FanfictionDesejar-te de longe era meu refúgio, até que teu corpo tornou-se meu, até que minha alma se banhou na sua. Esta é uma obra de ficção sem qualquer compromisso com a realidade.