Devo confessar que essas horas de estrada com Simone ao meu lado me fizeram refazer o sentido do meu próprio caminho até meu lar. Talvez porque ao lado de quem se ama, o caminho revela-se mais do que um simples leito de poeira e pedras. É um tapete de histórias, onde cada grão de terra guarda segredos sussurrados pelo vento que se arrasta pela memória em ânsia de criar outras memórias. Eu estava ansiosa por pisar os pés no chão da minha terra e me desenrolar de mim pra me embolar naquele ninho que era minha família; mas dessa vez era um sentimento diferente, acolhedor e ao mesmo tempo temeroso, pois ela estava ali, de cabelos soltos e ondulados, calça jeans, tênis e camisa de algodão, analisando as árvores, o formato das nuvens e o tom das flores. Havia uma calmaria em Simone que eu não esperava presenciar. E meu coração enterneceu-se.- Mais cinco minutinhos e chegamos, tudo bem? – Olhei-a rapidamente enquanto manobrava o carro para entrar na estradinha de terra que dava acesso à fazenda de minha família.
- Somente seus pais estarão lá? – Ela colocou os óculos de sol sobre a cabeça e virou o rosto me observando manusear o volante.
- Então...
- Então...?
- Não...
- Helena... Quantas pessoas da sua família conhecerei hoje? – Ela arqueou uma sobrancelha enquanto eu parava o carro em frente ao grande portão de madeira.
- Bom... meus pais, meus avós maternos, alguns tios, primos... – Mordisquei a pontinha do meu dedo enquanto Simone me encarava boquiaberta.
- Sua família INTEIRA?? – Ela desatou o cinto, insinuando um mal-estar. Pousou a mão sobre o peito e fechou os olhos. – Como pretende me apresentar hoje?
- Como você achar melhor, Simone. – Não era segredo para minha família a minha sexualidade. Na adolescência namorei uma menina que, por sinal, meus pais adoravam. Toda a minha família sempre me acolheu e recebeu bem as minhas escolhas de vida. O que eu queria era chegar, abraçar meus pais e dizer: “mãe, pai, essa é Simone, minha namorada”. Mas eu não desrespeitaria os limites dela.
- Eu... é que... meu bem, eu não sei se estou pronta. – Observei-a abrir os olhos lentamente e me olhar receosa com a cabeça ainda recostada sobre o banco. Estendeu a mão de palma aberta, pedindo pela minha. Entrelacei meus dedos aos seus e permaneci em silêncio.
- Tudo bem, Simone.
- Agora sou só Simone? – Ela perguntou baixinho e apertou os dedos aos meus.
- Bom, acho que enquanto estivermos aqui, sim.
- Helena, não faz assim. Eu só... eu preciso de tempo, está bem? Me deixe conhecê-los primeiro, saber se gostarão de mim, se lidam bem com o fato de eu ser mais velha que você, ter duas filhas... Que por sinal, também precisam saber sobre o que vem se estabelecendo entre nós. Sempre tive uma relação de muita honestidade com minhas Marias, então acho que elas também merecem saber, de mim. E outra, eu sou Senadora. Vai saber se seus pais odeiam meu partido? – Ela disse com um semi sorriso, espalmando a mão que segurava a minha em minha coxa.
- É... eu acho que eles preferem a Gleisi Hoffman.
- Ai... agora doeu. – A mão que segurava minha coxa voltou ao peito numa cena adorável e cheia de drama. – Tá vendo só? Sua família é petista!!!! E você inventa de me namorar? Você perdeu o juízo, menina.
- Simone, deixa de ser dramática que não é novidade pra ninguém da minha família que eu sou sua assessora. Minha mãe sempre quis te conhecer. Ela te admira, mesmo sendo do MDB. – Ouço sua risada gostosa se espalhar pelo carro e, de repente, como se ela parasse no tempo, seus olhos se afundam em mim, cavam um buraco em minha alma e a familiaridade se mistura ao deslumbramento contínuo de olhá-la sempre como se fosse a primeira vez, como se a intimidade entre nós fosse o solo fértil onde crescem as mais belas flores. E ali, sob o sol cintilante fazendo sua pele branca quase brilhar, os cabelos reluzindo e sendo soprados levemente pelo vento, o sorriso de lábios rosados e os olhos... os olhos em que eu aprendi a desejar me perder eternamente... ali, exatamente ali, me apaixonei por Simone outra vez.
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Teus lábios: Minha poesia
FanfictionDesejar-te de longe era meu refúgio, até que teu corpo tornou-se meu, até que minha alma se banhou na sua. Esta é uma obra de ficção sem qualquer compromisso com a realidade.