Teus lábios: Minha poesia

Sobre dizeres não ditos

Meu bem, guarde uma frase pra mim

Dentro da sua canção

Esconda um beijo pra mim

Sob as dobras do blusão.

A música ecoava por todo o meu apartamento em um volume mais alto do que me era permitido, não culpe esse meu coração selvagem... Estava em êxtase; se é que essa palavra possa definir a complexidade de sentimentos que brotam em alvoroço dentro de mim. Naquela noite, eu voltei para casa com Simone e a beijei em cada canto de pele que me fosse possível acessar. Naquela noite, vimos um filme juntas e eu adormeci em seus braços. Pela manhã, ela me acordou com um afago no rosto dizendo que precisava sair mais cedo e que eu poderia ficar a vontade para tomar banho em seu banheiro e tomar café da manhã. E desde aquela noite, tenho pressa de viver.

Meu bem, o meu lugar é onde

Você quer que ele seja

Não quero o que a cabeça pensa

Eu quero o que a alma deseja

E acredite ou não, já faz um mês desde aquela noite. Não tivemos outro momento a sós, mas nos vemos todos os dias, e cada segundo em que nossos olhos se cruzam eu sinto pequenas faíscas brotarem dentro de mim. Simone é como uma pequena caixinha de fósforos morando no meu peito e eu preciso ter o cuidado de riscar um de cada vez para não causar um incêndio na alma.

Na tarde de ontem, em poucos minutos que estivemos sozinhas em seu gabinete, ela me segredou em um sussurro que sentia saudades de mim; como podia sentir minha falta me vendo ali todos os dias? Só quando parei de pensar e senti o peso daquela declaração que eu compreendi que a saudade não é só um estado de ausência física, saudade está mais próximo de uma coisa sem nome que se sente em lugar nenhum e por motivos que não se sabem. E eu sentia saudade de Simone olhando para ela todos os dias, sentindo seu perfume, acompanhando seus gestos, ouvindo sua voz e até tocando sua pele... saudade é mesmo um sentimento estranho que linguagem nenhuma da conta de explicar, nem mesmo a nossa. É que saudade é pra sentir e não saber, o querer saber a saudade já tira dela a sua singular indefinição.

O não saber, muitas vezes, já é saber mais do que se possa esperar de algo.

Mas quando você me amar

Me abrace e me beije

Bem devagar

Que é para eu ter tempo,

Tempo de me apaixonar

Sinto que estou vivenciando um aglomerado de “não-saberes” com Simone, porque sentir com ela ultrapassa qualquer entender. Não quero saber de seu casamento ou de seu marido, não quero saber se teremos um amanhã ou depois, não quero saber se estou perdidamente apaixonada por ela e se seus lábios se tornaram a poesia que melhor sei declamar, não quero saber por quanto tempo iremos nos permitir a isso: eu estar nela e ela estar em mim.

Meu bem, vem viver comigo,

Vem correr perigo, vem morrer comigo

Meu bem, meu bem, meu bem...

Meus pensamentos são cortados pelo barulho do celular vibrando na ilha da cozinha, experimentei uma última vez o molho pomodoro que fazia e desliguei o fogão para ver quem ligava. Atendi sem olhar o nome, apoiando o celular entre o ouvido e o ombro para continuar finalizando o nhoque que dourava na manteiga de sálvia em uma frigideira.

- Alô?

- Não tem meu número salvo, Helena? – Imediatamente reconheço aquela voz rouquinha me fazendo sorrir automaticamente.