Epílogo

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Estávamos sentadas na beira da praia, num fim de tarde, com vento fresco soprando em nossos rostos enquanto o sol se punha mais uma vez diante de nossos olhos. Hoje, após quase seis anos, perdi as contas de quantos pores do sol assisti ao lado de Simone, de quantas vezes fotografei com meus olhos a pele dela reluzir com o tom alaranjado do céu. Lembrei-me da primeira vez em que meus olhos recaíram sobre ela e meu olhar deixou de ser apenas um olhar e se tornou mais um assistir atentamente aos seus traços e gestos. Lembro-me da maneira singular que eu a sabia descrever dentro de mim, mas quando precisava falar, sentia que não dava conta do que só meu coração era capaz de dizer. E parece que hoje me vejo Helena, diante de Simone, como naquele primeiro momento, em que eu pude entender sua solitude, sua complexidade palpável de ser gota d’água em bico de passarinho...

- Está quieta hoje, meu bem. Cansada da praia? Podemos voltar, se quiser. – Me permiti sentir com delicadeza o tom doce e ameno de sua voz, para nunca me dar o direito de esquecer de apreciar essas minúcias que a contemplam.

- Não, meu amor. Só estou pensando em nós. Na verdade, pensando em você e em todas às vezes que não soube te dizer em palavras. – Ela ergueu com uma mão o meu rosto que repousava em seu ombro, acariciou minhas bochechas e sorriu largo, me olhou nos olhos e beijou-me a testa. Simone pareceu, naquela brecha do tempo, ler nos meus olhos os seis anos de palavras não ditas.

- Você sempre disse tudo, Helena. Seus olhos são tudo que precisei pra te saber da maneira que me sabe. Você aprendeu a me ler desde o primeiro dia naquele gabinete comigo. Meus silêncios, meus excessos, meus risos e até meus suspiros. Eu te vi, no mesmo dia em que você me viu. Foi a primeira vez que fomos Simone e Helena uma pra outra. – Sorri com os olhos ameaçando lacrimejar e me envolvi ao seu corpo, puxando-a para deitar-se sobre a canga esticada na areia comigo.

- Eu nunca pensei que teria pra mim um pedacinho do seu coração. Nunca imaginei viver tanta coisa com você, conhecer sua família e você conhecer a minha, poder jantar ao seu lado, viajar e estar assim, deitada em uma praia vazia num fim de tarde em um dia qualquer. Nunca imaginei que nossa história fosse ser escrita de uma maneira tão viva, Simone. – Passeei meus dedos por sua bochecha, percorrendo cada traço de seu rosto e observando-a em cada mínimo detalhe.

- Você não pensou que teria um pedacinho do meu coração, porque eu te dei ele inteiro, Helena. Às vezes penso que não sei como isso tudo aconteceu, como tudo pareceu tão fácil, apesar dos pesares... e eu finalmente sinto paz em minha alma, me sinto livre e sem medo de ser a Simone para além do que construí para os outros. E assim como você, me vejo aqui deitada nessa praia, te segurando nos braços, como no dia em que tropeçou na porta da minha sala, e eu pude perceber que eu queria seu corpo sempre perto, queria seus olhos nos meus, sua boca na minha, seu coração inteiramente pra mim. – Senti seu afago em minha cintura e quanto mais nos olhávamos, mais parecíamos nos eternizar dentro uma da outra. – Sabe, Helena, tive medo a vida toda dessa minha sensibilidade, desse meu olhar tão cativo pro feminino, até você aparecer e eu compreender que meu medo era amar e pôr pra fora o que havia de mais bonito em mim: o ser mulher, desejando amar outra mulher.

Ergui o dorso levemente, apenas para admirá-la dando voz a tudo que eu assistia escoar pelo sorriso dela, pelo movimento das mãos, pelo caminhar, pelo olhar e especialmente pelo falar poético, que era tão intrínseco a ela, mas que ela sempre dava jeito de se deixar escapar pelas palavras de outrem.

- Hoje enxergo todas as minhas facetas e tenho orgulho de todas elas. A política, a professora, a advogada, a mãe, a filha e... a esposa. – Apoiei-me na areia e a ajudei a sentar-se novamente, ela sorria de maneira a me fazer se apaixonar por ela de novo. Eu permaneci em silêncio, assimilando a última palavra que ela pronunciou, me perguntando se ela falava sobre Eduardo, até que puxou a bolsa de pano ao seu lado e de lá tirou uma caixinha branca. Eu permaneci imóvel, avaliando cada mínimo movimento dela. – Eu sei que as coisas ainda não são simples e que apesar de tudo o que construímos, ainda há tanto que você deseja e que eu estou tentando, mesmo que a passos de formiga, encontrar meios para lhe dar. Você me trouxe vida para além da vida que eu tinha, Helena. Me despertou paixão pelas pequenezas da vida em meio ao caos, me deu olhar para ver e enxergar a beleza de muitas coisas que nunca parei para olhar. Me fez deixar de ser otimista e abraçar esse meu lado romântico. E por isso, e tantas coisas mais, quero lhe dizer que a amo como o amor ama. Não sei razão pra amar-te mais que amar-te. Que queres que te diga mais que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?- Sem conseguir mais evitar algumas lágrimas que caiam, vi-a abrir a caixinha com dois anéis prateados com um ponto de luz, ela retirou um e pegou minha mão direita, me estendeu o anel e cravejando dentro dele pude ler “minha eterna poesia”.

Estendi a mão em sua palma aberta e ela encaixou o anel em meu dedo anelar, depositando um beijo acompanhado de um carinho. Segurei seu rosto com as duas mãos e aproximei nossos rostos, as testas encostadas e as respirações sendo compartilhadas. Aconcheguei-me a ela em um beijo calmo, saudosista, eterno... senti cada linha de seus lábios, assimilei as nuances da doçura de sua boca e da maciez de sua língua, me perdi, pra me encontrar naquele beijo.

Ao findar aquele gesto tão nosso, retirei o outro anel da caixinha e segurei sua mão direita, da mesma forma que ela fizera comigo antes. E em seus olhos, mais uma vez, me fiz sua Helena.

- Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as coisas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou.
Só me arrependo de outrora não te ter amado.

Encaixei o anel em seu dedo e beijei sua mão como ela o fez, seus olhos lacrimejavam junto dos meus e nossos sorrisos pareciam não dar conta mais de permanecer só no rosto, nos beijamos outra e outra e mais outra vez, até que o sol desapareceu diante de nós e a luz da lua nos ofereceu refúgio para eterizar mais um verso nas páginas de nossa vida... 




É tão difícil ficar sem você

O teu amor é gostoso demais

Teu cheiro me dá prazer

Quando estou com você

Estou nos braços da paz...

- Maria Bethânia










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Oi, minhas queridas leitoras (e leitores, caso tenha kkk)
Queria deixar aqui meus agradecimentos pois, agora, de fato, chegamos ao fim dessa história. História essa que escrevi de coração e alma e que espero, muitíssimo, que vocês tenham gostado de acompanhar até aqui, tanto quanto eu amei escrever. Que lhes tenham tocado todos os poemas, músicas e versos ou prosa que compuseram as linhas desse pequeno "livro". Que haja um pouco de Helena e Simone em vocês após finalizar essas linhas.
Espero vê-las aqui futuramente, caso escreva algo mais.

Um grande beijo, com muito carinho: sua autora! ❤️

Até breve!

Teus lábios: Minha poesia Onde histórias criam vida. Descubra agora