Vem seguir comigo o meu caminho...

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“Telefona, não deixa que eu fuja

Me ocupa os espaços vazios

Me arranca dessa ansiedade

Me acolhe, me acalma

Em teus braços macios”

- Gal Costa


 

Acordei com barulhos estranhos ecoando pela casa; ouvi a porta bater e logo após sons de passos. Helena não passou a última noite comigo e não tem o costume de aparecer tão cedo. Com relutância me levantei e esfreguei os olhos tentando expulsar o sono que ainda me vestia o corpo e fitei o relógio que marcava 7:00 em ponto. Outro barulho: uma tosse, rouca, grossa, ríspida... meus sentidos foram sendo recobrados e só então me dei conta de que só poderia ser Eduardo. Que bela manhã...

Levantei-me ainda que a contragosto e fui escovar os dentes antes de encarar meu... marido...
Cobri-me com o kimono azul – que Helena tanto ama - e segui para a cozinha. Eduardo estava sentado à mesa com uma xícara de café e um omelete. Passei os olhos rapidamente pela cozinha e ela já registrava que ele havia passado por ali; a frigideira sobre o fogão, as cascas de ovos sobre a pia, a manteigueira aberta e a colher suja sobre o vidro da mesa, um punhado de sal parecia ter caído e emoldurava os arredores da boca do fogão. Um desastre. Era essa a palavra que gritava em meus pensamentos.

- Oi, Eduardo. Não sabia que vinha. Aconteceu alguma coisa? – Perguntei adentrando a cozinha e já indo recolher as cascas de ovos para jogar no lixo.

- Que susto, Simone!! Tá querendo ficar viúva mais cedo? – Ah... que Deus não me ouça, nem escute meu coração. Mas acho que ele sabe bem o que eu gostaria de ter respondido.

- Quem me assustou foi você chegando aqui sem avisar. – Recostei-me sobre a beira da pia e cruzei os braços observando-o finalizar o café e mastigar grosseiramente o último pedaço do omelete.

- Foi de última hora mesmo, Simone. Vim te visitar já que o Riedel precisou vir participar de uma reunião com Senadores. Me admira é você não estar nessa reunião também.

- Não fui contatada. De qualquer forma, minha agenda está cheia hoje, não terei muito tempo livre. – Senti meu corpo enrijecer ao vê-lo levantar e vir até minha direção. Deixou o prato dentro da pia e colocou a mão em meu quadril para me dar um beijo no rosto que roçou o canto da boca. Senti seus lábios úmidos de café ou talvez sujos de manteiga e eu quis limpar no exato instante que ele se afastou.

- Percebeu que nem bom dia você me deu? – Cruzou os braços e me encarou; a barriga marcando na camisa devido ao cinto apertado, a barba por fazer e os cabelos, já ralos, mal penteados. Acho que me perdi observando seus detalhes e pensando em como queria ver ali parada em minha frente o corpo dela... O sorriso doce de lábios macios, os cabelos perfumados, a pele sedosa... o todo tão bonito que era ela. – Ô Simone? Tá me escutando não, é?

- Ai, desculpa. Eu tô pensando em tudo que tenho que fazer hoje. Mai’ bom dia, Edu. -Tentei sorrir e ajeitei o kimono ao corpo, buscando dispersar os pensamentos e encarar a realidade. Dei alguns passos afim de sair logo da cozinha e me vestir para ir ao Senado, mas senti minha cintura ser puxada e meu corpo ser fortemente apertado contra o de Eduardo. Minha pele arrepiou inteira, não do jeito bom como quando Helena me toca; foi um arrepio frio, receoso.

- Então ‘cê podia me dar bom dia de outro jeito pra compensar o tempo que a gente fica longe né, Sisa? – Sinto seu nariz encostar em meu pescoço e aperto os olhos fechados, assim como as mãos que estão contra seu peito. O cheiro dele era forte; nuances de um perfume amadeirado e suor.

Teus lábios: Minha poesia Onde histórias criam vida. Descubra agora