Minha namorada

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"Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante."

- Vinicius de Moraes

Acordei sozinha em meu apartamento com um peso na alma que parecia querer me enterrar chão adentro. Eu sabia que aquele sentimento não vinha de um lugar qualquer, nem surgiu de repente. Esse é o sentimento que vem acompanhado de uma decisão que pode mudar para sempre a minha vida; eu finalmente me encontro diante da inevitabilidade de encerrar uma relação que já não me traz felicidade.

O relacionamento com Eduardo, uma história que antes fora, até de certo modo, colorida pelos matizes de um afeto que foi se construindo com o tempo, agora se desvanecia em tons de cinza. A rotina se tornou uma teia sufocante, envolvendo nossos dias em monotonia e desgosto. No entanto, sempre me foi difícil ignorar o vínculo que ainda persistia, como uma corrente invisível que insistentemente me prendia em nosso casamento; não por amor. Amor já não era, há muito tempo, sentimento que nos traduzisse juntos. Acho que a comodidade era a palavra que vinha nos definindo.

Eduardo se tornou um companheiro de vida. Não um grande amor. Mas não posso negar o seu compromisso comigo enquanto pai. Me deu duas filhas lindas e cuidou delas com afinco e dedicação, construímos fortes alicerces familiares, e esse é o ponto que talvez me deixe tão angustiada: abalar as estruturas que estabelecemos. Separar nossa família.

Mas há, hoje, um outro sentimento que me rasga o peito e me dilacera inteira, esse novo capítulo da minha vida que foi se escrevendo com tinta de desejo e paixão, paixão proibida, que se desenrola nos bastidores da minha consciência e vida há um ano e meio.

Helena não é a ponta solta da minha vida, é a linha que se costura aos tecidos da minha alma, é quem ocupa meus pensamentos e ilumina meus dias. Cada olhar trocado, cada palavra sussurrada, cada gesto seu me faz ter certeza de que ela merece mais, que eu mereço mais. Nós merecemos mais de nós. Em Helena encontrei um novo caminho, uma chama que há muito havia se apagado em mim. Eu devo a ela a chance de me amar sozinha, sem ressalvas, sem medo de perda ou pendências. Devo a ela o direito de ter-me somente para ela e me devo o direito de tê-la somente para mim. Helena merece um amor singular e inteiro, não pedaços de um afeto falho como o que tenho oferecido a ela, E por ela, minha Helena, hoje enfrentarei um de meus maiores dilemas.

Sentada à mesa da cozinha, mexendo o café já frio - que nem costumo tomar - e refletindo sobre a encruzilhada em que me encontro, ouço a porta da sala se abrir, foi como se meu corpo se tornasse tão rígido quanto a própria madeira. Os passos de Eduardo ecoam pelo apartamento inteiro e seu cheiro característico me invade os sentidos quase me deixando nauseada.

- Bom dia, Simone! - Sinto sua mão morna me tocar o ombro e seus lábios roçarem o topo da minha cabeça em um beijo modesto.

- Bom dia, Edu... - Respondo somente, de cabeça baixa, sem ainda conseguir encará-lo.

- Que foi, aconteceu alguma coisa? Achei estranho você me pedir pra vir pra cá esse fim de semana, isso quase nunca acontece. Finalmente bateu saudade, foi? - Ouço sua risada e percebo um certo amargor. Ele puxa a cadeira ao meu lado e se senta servindo uma xícara de café enquanto me encara. - Desembucha Simone, que foi que aconteceu?

- Nós precisamos conversar, Eduardo.

- Tá, tô te ouvindo.

- Eduardo, precisamos falar de nós, sobre o que vem acontecendo conosco e que não é de hoje. - Finalmente o olho nos olhos e percebo a expressão de confusão se formando em seu rosto.

- Como assim? O que 'cê tá querendo dizer? - Ele esse ajeita na cadeira e entrelaça os dedos sobre a mesa.

- Eu venho sentindo um vazio, Eduardo... Um buraco imenso que vem se abrindo dentro de mim. Uma distância entre nós que parece cada vez mais difícil de superar. - Ele me olha incrédulo e volta a soltar as mãos e se encostar na cadeira, irritado.

Teus lábios: Minha poesia Onde histórias criam vida. Descubra agora