Qual a fragrância do seu desejo?

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Se me perguntassem, em algum momento de distração, desses que a gente se perde na cadência do tempo, nas esquinas do próprio pensamento, talvez eu não soubesse dizer exatamente quando os olhos dela se tornaram minha paisagem preferida; mas me deixa sentar algumas horas, por incontáveis minutos, observando cada linha de seu rosto e eu lhe direi de todos os encantos que me surgem somente de poder contemplar sua presença. É que Simone não é alma de se olhar com pressa, de tocar na correria; não... Ela demanda tempo. Tempo de absorvê-la por completo até que ela permeie seus sentidos e inebrie o coração por inteiro. É como abrir um livro de linguagem complexa, mas que a cada página vai se traduzindo aos poucos, te tocando profundamente, até você perceber que nem todo livro foi feito pra ser apreendido só com os olhos. Simone era assim, uma narrativa poética pra ser lida de dentro pra fora, de alma primeiro e depois com os olhos.

Mas deixa eu me ater ao presente e explicar um pouquinho de como cheguei aqui: no exato ponto da vida em que passar horas numa sala fechada ao lado dela se tornou sufocante, quase esmagador. Não por ser ruim, mas por ter momentos de tanta proximidade dela que meu corpo me trai, minha mente vacila e eu me perco por constrangedores segundos em seus olhos até que ela sorri de canto e abaixa a cabeça, sempre como se nada tivesse acontecido. Ás vezes agradeço por ela nunca questionar nada.

Bem, antes de tudo, preciso explicar como cheguei aqui, ao lado dela. Meu nome é Helena. Tenho 25 anos e sou assessora parlamentar, costumava ser professora universitária de Literatura e, não me pergunte o porquê, mas decidi enveredar pela política. Costumava assessorar a deputada federal Kátia Abreu, mas infelizmente – ou felizmente – ela não se reelegeu. Confesso que eu gostava muito de trabalhar para ela e ao lado dela, é uma mulher contagiante, mas exigente. Quando seu mandato terminou, dez meses atrás, ela disse que sabia exatamente a quem me indicaria. E, bom, foi assim que passei a ser assessora da senadora Simone Tebet.

No inicio, por trás das câmeras, Simone era uma mulher silenciosa, apreciava cada mínimo segundo que ela podia ter no completo silêncio de seu gabinete, eu costumava acha-la solitária; como uma parlamentar podia bradar em tom grosso no Senado e horas depois se sentar sozinha em uma poltrona e tomar uma xícara de chá enquanto não dizia absolutamente nada a ninguém, nem a si mesma? Com o passar dos meses e conforme ia me aproximando aos poucos dela, na medida em que ela me permitia, fui compreendendo que aquela solidão, na verdade, existia, mas também havia nela uma necessidade de silêncio, de estar consigo mesma na mudez do tempo.

Certa vez, há uns três meses, ela me fez um desses chás que ela tanto gosta. Naquele dia, eu me apaixonei por Simone e me dei conta disso. Era uma tarde tranquila no Senado, poucas plenárias e quase nenhuma reunião. Eu estava em minha mesa, ao lado de fora da sala dela quando ela abriu uma frestinha e fez um “psiu”...

- Simone? Precisa de alguma coisa? – Virei o rosto em direção à porta e perguntei.

- Preciso, sim. Vem cá, por favor. – Pude perceber um sorriso muito sutil em seus lábios, ou talvez tenha inventado isso. Levantei-me rápido, sem nem ajeitar a calça pantalona ao corpo.

- Aconteceu alguma coisa? Algum documento que eu precise rever? – Questionei já dentro de sua sala.

- Fecha a porta e sente aqui, Helena. – Naquele momento meus neurônios anunciaram querer falhar e eu achei que seria demitida, mas eu não havia feito nada para isso, ou havia?

- Simone... Você está me deixando preocupada... Eu fiz alguma coisa? – disse apreensiva.

- Fez, sim. – Ela fez uma pausa e meu corpo inteiro congelou, eu seria demitida. – Sabe o que fez? – ela perguntou em um tom baixo e apenas balancei a cabeça negativamente, enquanto ela passava as mãos pelos cabelos. – Você tem sido a melhor assessora que já tive em toda a minha vida política e olha que não são poucos anos, não.

Teus lábios: Minha poesia Onde histórias criam vida. Descubra agora