CAPÍTULO 1

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Era um desastre! Pensou Marilia, enquanto, mantinha o celular em seu ouvido com a voz melodramática de sua mãe soando fina demais para os seus tímpanos.


A sua mente trabalhava em busca de uma desculpa para não comparecer á borda de prata dos seus pais. Parecia insensibilidade demais não ir a um momento tão especial para os seus genitores, mas... Ela tinha um motivo para se desvencilhar á anos das festas em família: A perda do seu grande amor para o irmão.

Nunca foi competitiva, mas veja bem... O seu irmão, aquele que tinha confiança e o amava, tomou a sua namorada sem se importar com os seus sentimentos. E poxa, ela amava muito a Luana.

Foi a primeira e única mulher que desenvolveu um sentimento verdadeiro. Teve a ilusão que um dia se casaria com a Luana e teria uma linda família. Porém, o Gustavo tinha outro pensamento e pelo visto, a Luana também.

Verdade seja dita: Luana era uma interesseira que gostava de uma vida fácil. Não pensou duas vezes em trocá-la pelo Gustavo. O seu irmão naquela altura do campeonato já tinha uma empresa de grande porte com uma conta bancária palpável, enquanto, Marilia ainda estava dando os primeiros passos para o mundo dos negócios e sua conta era bem reduzida. Isso pesou na hora da escolha.

Foi uma grande traição. Mexeu demais com o seu psicológico, tanto que depois que a Luana informou que o namoro tinha terminado e que se casaria com o Gustavo, a Marilia não pensou duas vezes em ir embora da sua cidade natal e trilhar o seu caminho em um lugar distante de sua família. Desde então, nunca voltou... Longos cinco anos se passaram, e a dor continuava viva em uma parte do seu coração.

Não pretendia voltar, mas Ruth Mendonça tinha outro pensamento.

– Vai ser uma grande festa, estou tão feliz com isso! Vinte e cinco anos de casamento, com lindos filhos... Será perfeito para reunir toda a família... – Ruth falava no telefone e sua voz se emocionou um pouco.

Marilia reviu as suas opções de desculpas:

1. Não posso, tenho uma convenção muito importante para ampliar a minha clínica.

2. Estou com dengue, ou zyka vírus ou chikungunya.

3. Estou fora do país. Essa seria muito idiota, já que atendera ao telefone do seu escritório.

... E eu não aceito não como resposta, Marilia. Seja lá o que esteja pensando ou que compromisso tenha, desmarque tudo. Eu quero a minha família reunida nessa semana tão especial para mim e o seu pai. – Ruth disse como se tivesse lido o pensamento da filha, a sua voz agora estava num tom magoado que sempre deixava o coração da Marilia apertado. – Cinco anos sem vê-la... Isso é demais para uma mãe suportar!

Marilia apertou o telefone em sua mão, e soltou um longo suspiro, ficando amuada por saber que desta vez não seria nada fácil se livrar.

– Mãe... Você sabe que eu te amo demais... Você e o papai, mas eu tenho responsabilidade com a minha clínica e... – Começou, mas foi interrompida por um gemido angustiado de sua mãe.

– Estou sofrendo de pressão alta, o cardiologista disse que o meu coração estava muito fraco e que qualquer desgosto poderia elevar a minha pressão. Ela é emocional, sabe? – Ruth falou dramaticamente, no fundo, Marilia escutava o barulho da água derramando, mesmo sabendo que era exagero de sua mãe para lhe causar remorso, não deixou de se preocupar com a mesma. – Você quer ser responsável pela morte de sua mãe?

Marilia arregalou os olhos: – Por Deus, não! – O nervosismo do pensamento fez com puxasse as cutículas dos dedos com os dentes. Péssimo hábito. – Eu vou...

– Oh que maravilha! – Ruth gritou e bateu palminhas. – Michael, a Marilia vem... – Ela gritou para o marido e depois voltou a falar com a filha. – Você não sabe como me deixou feliz! Vejo-a no domingo, meu doce. Bye. – E desligou o telefone.

Marilia ficou olhando para o telefone em sua mão um pouco atônita. Tinha aceitado voltar para a sua cidade natal pra passar uma semana... Uma semana... Sete dias... Sob o mesmo teto que seu irmão e cunhada. Isso era um desastre!

(...)

Maiara estava atrasada para o trabalho. Tinha uma cliente de oito horas, e o seu relógio de pulso denunciava que se passavam dez minutos da hora marcada. Sua chefe e também a cliente iriam matá-la! Compromisso e responsabilidade fazia parte do slogan da Clínica de Estética e SPA Equilibrium. E estava sendo tudo, menos compromissada e responsável naquele momento.

Os seus passos eram rápidos na avenida amarrotada de pessoas, não podia perder o seu emprego, precisava receber o salário para sustentar a sua filha, já que o pai da mesma, não sabia da sua existência. Fora apenas um encontro relâmpago no quarto escuro de uma balada que gerou um fruto.

Não sabia o nome dele, e muito menos onde morava...

A única coisa ruim era que a sua filha crescia sem a presença paterna, mas a Maiara tentava suprir a ausência de um pai dando todo o seu amor e carinho para ela.

Esbarrou em algumas pessoas e pediu desculpa com um sorriso amarelo, mas não diminuiu os passos. Sentia o corpo ficar banhado de suor e os seus pés a torturando com os sapatos altíssimos de bico fino. Sempre ia para o trabalho de tênis, e lá, trocava por saltos. Mas como tinha se atrasado, optou em ir arrumada, mesmo que isso gerasse alguns calos em seus pés.

O seu celular vibrava na bolsa, mas era impossível pegá-lo quando se estava com uma criança no braço esquerdo, e com bolsas penduradas no ombro direito. Imaginava quem estava ligando... Geralmente, não tinha amigos e as pessoas que tinham o seu número era quase escassas. Só podia ser do trabalho.

Olhou para os lados, ignorando o toque insistente do celular e atravessou a rua quase correndo. Aurora que estava com a cabecinha deitada em seu ombro, reclamou por ter o sono abruptamente interrompido. Ela ainda estava um pouco mole, tinha passado a noite com febre. A febre cedeu um pouco, porém, a Aurora ainda estava um pouco tristinha.

Mas a Maiara sabia o que era a causa da febre... Os dentinhos que estavam saindo.

– Mamãe está quase chegando a creche, e você poderá descansar, meu amor. – Disse a Aurora, dando um beijo na cabeça repleta de cabelos negros e lisos.

Não gostava de deixar a filha na creche, mas não tinha dinheiro para pagar uma babá, e essa creche era considerada uma das melhores. Era cara, mas o preço não se aproximava de um salário mínimo que teria que pagar por uma babá!

Andou mais alguns passos e finalmente, chegou a creche. Passou na portaria, sendo reconhecida pelo porteiro, e alcançou a salinha que já tinha algumas crianças na mesma faixa etária da Aurora, brincando.

Aurora tinha ficado no berçário até completar um ano. Como estava com um ano e dois meses, tinha sido transferida para creche. Entregou as bolsas com fraudas, alguns brinquedos, medicamentos, e o travesseiro preferido da sua filha para a cuidadora. Por último, passou a Aurora para o braço da mesma.

Sua filha levantou a cabecinha e os olhos castanhos brilharam em lágrimas que quebrantou o coração da Maiara. Ela não podia ver a sua filhinha desse jeito que também sentia vontade de chorar.

– Oh, meu amor... Não chore, mais tarde mamãe volta para lhe buscar. – Disse carinhosamente, acariciou o rosto da sua menina e depois beijou suavemente na testa. Sabia que Aurora não tinha compreensão da frase e que sempre chorava, mas tentava consolá-la de algum jeito. Olhou para a cuidadora. – Ela teve febre a noite toda, os dentinhos estão nascendo... Antes de sair de casa, medi a temperatura e ela está com febre baixa, se aumentar, por favor, me ligue informando.

– Pode deixar, Maiara. A pequena Aurora estar em boas mãos. – Informou a cuidadora, ninando a menina nos braços.

Com mais um beijo de despedida, Maiara deu as costas e se afastou de sua filha escutando o chorinho angustiado de Aurora e a palavra “mama” diversas vezes. Ela não olhou para trás, saiu da creche e limpou as suas lágrimas que escorriam pelo seu rosto.

Sua vontade era de voltar para a sua filha, mas infelizmente tinha que trabalhar! Correu para pegar o ônibus. O seu trabalho ficava a três quarteirões da creche, se fosse outro momento iria a pé, mas como estava atrasada...

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