Capitulo 2- Valsando com Sombras

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A noite do baile chegou com a lua escondida atrás de nuvens densas, como se até o céu se envergonhasse de espiar para o que iria se desenrolar sob suas estrelas turvas. Clara, em seu quarto, ficou em frente ao espelho enquanto a Sra. Teller ajustava o vestido que ela deveria usar. Era um vestido azul-escuro, quase preto, que contrastava fortemente com a palidez de sua pele e o cinza prateado de seus cabelos.

"Você está muito bonita, senhorita Winterbourne," murmurou a governanta, mas Clara apenas assentiu, indiferente ao comentário. Beleza, ela sabia, era uma armadilha tanto quanto uma vantagem. No entanto, naquela noite, ela poderia usá-la como uma ferramenta, um meio para um fim.

Enquanto a casa se enchia com o som abafado dos preparativos de seus pais, Clara permanecia silenciosa, imóvel, uma estátua vestida para um baile. Mas por dentro, sua mente estava longe de inerte; era um turbilhão de pensamentos e planos. Ela já havia identificado a quem observaria mais de perto naquela noite, já sabia quais sorrisos eram mais falsos, quais risadas eram vazias de alegria genuína.

O carro que os levaria ao evento estava pronto, e Clara desceu as escadas, seu movimento fluido como a bruma noturna. Ao entrar no veículo, ela não olhou para trás, para a casa que parecia segurá-la em sua garra gótica. Ela estava pronta para o jogo da noite, pronta para dançar no baile das máscaras humanas.

E enquanto o carro se afastava, levando Clara para o baile, a casa dos Winterbourne ficava imersa em sombras, como se reconhecesse que, naquela noite, algo de sua essência partia com ela — algo sombrio, algo que não pertencia ao mundo das risadas e luzes, mas ao reino silencioso onde as verdades são escritas na penumbra.

No baile, a mansão dos Van Der Lindens transformara-se num reino de esplendor e exuberância, onde as máscaras não apenas adornavam os rostos, mas também as almas daqueles que ali dançavam. O brilho das velas refletia em joias e olhares, mas nenhum brilho poderia iluminar as profundezas de um coração obscuro como o de Clara. Ela caminhou pelo salão, cada passo medido com a precisão de um metrônomo, cada olhar uma pincelada na tela da noite.

Conhecida por muitos, compreendida por nenhum, Clara era como um enigma envolto em seda azul-noite. Os outros convidados a viam, mas não enxergavam além da superfície. Ela, contudo, via tudo: as fissuras nas fachadas, os suspiros escondidos sob risos artificiais, os olhares que trocavam segredos e traições.

O som da orquestra se erguia e caía, um lembrete constante do teatro da sociedade em que todos eram atores. Clara não buscava um par para dançar; ela buscava a verdade mascarada, a hipocrisia disfarçada de cortesia. Ela girava pelo salão, graciosa e letal, cada interação um passo mais perto de seu objetivo noturno.

Então, ela o viu — o jovem herdeiro dos Van Der Lindens, Edward, um rapaz com uma reputação de charme tão fabricada quanto as decorações que adornavam o salão. Ele se movia entre os convidados com um sorriso fácil e um olhar que tocava cada dama como se fossem todas especiais, mas Clara via a farsa. Ela sabia que sob aquele sorriso havia uma rede de mentiras e enganos, um emaranhado que ele tecia com prazer e destreza. A ironia de sua existência, a facilidade com que tecia as intrigas entre seus dedos, tornava-o um alvo fascinante para Clara. Enquanto observava Edward, ela não podia deixar de sentir uma admiração distorcida, quase como se reconhecesse em si uma alma gêmea deturpada.

A música mudou, e com ela, a dança. Era uma valsa, os corpos dos convidados movendo-se em harmonia com a melodia. Clara permitiu-se ser levada pela corrente, seus passos tão leves quanto o mais delicado dos sussurros. Quando Edward aproximou-se, oferecendo-lhe a mão com um gesto cavalheiresco, ela aceitou, seus olhos encontrando os dele numa promessa silenciosa de desafio.

Eles dançaram, girando pelo salão enquanto os olhares acompanhavam o par improvável. Clara, a enigmática e fria herdeira dos Winterbourne, e Edward, o charmoso e eloquente futuro senhor dos Van Der Lindens. Ninguém poderia prever o jogo de caça e caçador que se desenrolava entre os dois, uma dança de mente e vontades onde cada passo poderia ser um prelúdio para o caos.

Enquanto Clara seguia os passos da dança, sua mente trabalhava incansavelmente. A cada sorriso de Edward, a cada palavra escolhida com cuidado, ela desvendava mais da persona que ele projetava. Sob a luz trêmula das velas, ela podia ver as sombras que ele carregava, os segredos que ele escondia tão habilmente de todos, exceto dela.

A noite avançava, e com ela, a máscara de cividade começava a desvanecer. O álcool fluía mais livremente, e com ele, as línguas soltavam-se, os gestos tornavam-se mais ousados, e as verdadeiras naturezas começavam a emergir das fendas cuidadosamente construídas em cada fachada social.

Clara sentia a eletricidade no ar, o frêmito da verdade que começava a palpitar sob a superfície polida do baile. Ela sabia que a noite ainda guardava seus segredos mais sombrios e que, antes do amanhecer, ela desvendaria o que se ocultava no coração de Edward. Ele era como um livro cujas páginas ela ansiava por virar, cada capítulo um passo mais perto do abismo que ela sabia que ambos compartilhavam.

Quando a música terminou, eles pararam, o olhar de Clara firme e inescrutável. "Você joga um jogo perigoso, Srta. Winterbourne," murmurou Edward, a curiosidade tingindo sua voz de uma cautela inesperada.

"Todos nós jogamos, Sr. Van Der Linden," respondeu Clara com uma serenidade que era quase ameaçadora. "A diferença é que eu nunca perco."

A noite se aprofundou e, com ela, os jogos de Clara. A cada movimento, a cada palavra, ela tecia uma teia invisível, uma armadilha para as mentiras que ela tão desesperadamente buscava expor. E enquanto o baile se encaminhava para o seu clímax, Clara Winterbourne preparava-se para revelar a verdade em toda a sua glória terrível e fascinante.

A pergunta que se insinuava nas sombras, aquela que apenas a lua oculta poderia sussurrar, era simples: até onde Clara iria para purificar o mundo de suas mentiras? E quem seria a próxima vítima de sua busca impiedosa pela verdade?

O Reflexo de ClaraOnde histórias criam vida. Descubra agora