Capítulo 6: O Reflexo de Uma Máscara

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A luz do amanhecer esgueirava-se pela biblioteca de Winterbourne, pincelando os livros antigos com tons dourados, criando um santuário de sabedoria e sombra. Clara estava lá, sua figura esbelta envolta na penumbra como uma aparição, os olhos fixos no reflexo que a janela oferecia. Não era uma simples contemplação de sua beleza singular, mas um estudo, uma avaliação de sua própria máscara.

"Quem sou eu hoje?" murmurou para si mesma, sua voz um sussurro entre as prateleiras empoeiradas. A pergunta era retórica, uma meditação sobre a natureza do ser. Clara conhecia o poder de um rosto; para ela, era uma ferramenta, uma arma, uma defesa.

O jantar da noite anterior havia sido um jogo, e ela uma mestra no tabuleiro. Os convidados, peões às vezes, reis e rainhas em outros, todos dançavam conforme a música que Clara dirigia. Mas sob a superfície, sob as reverências e os brindes, havia correntes de escuridão, de segredos e mentiras que Clara habilmente manipulava.

Ela não se considerava cruel. Não, crueldade implicava em prazer com o sofrimento alheio, e Clara não encontrava prazer algum na dor em si. O que a movia era mais complexo, uma necessidade de entender, de controlar, de revelar as camadas sob as quais as pessoas escondiam suas verdadeiras faces. E ela tinha essa habilidade, o talento de despir almas, revelando-as em sua crua e nua verdade.

Nessa manhã, a biblioteca era um reino silencioso, e Clara se perguntava o que suas ações haviam deflagrado. O jogo da noite passada havia sido apenas um capítulo, e ela sabia que cada palavra dita, cada segredo revelado, era uma peça movida no jogo de consequências. "E as consequências..." ela sussurrou, "são o que realmente importa."

Os traços de psicopatia em Clara não se manifestavam em violência física, mas numa frieza emocional, uma ausência de empatia verdadeira. Ela conseguia imitar as emoções necessárias, simular afeições e reagir apropriadamente, mas era uma imitação, um reflexo de expectativas, não de sentimentos genuínos.

Ela se aproximou da escrivaninha, onde cartas não lidas a esperavam. Clara as abriu com dedos precisos, lendo as palavras com a mesma indiferença que daria a um relatório do tempo. Convites, súplicas, confissões – todos recebiam a mesma atenção calculada. Cada um era um fio potencial que poderia ser puxado, uma rota possível para seus propósitos ainda não revelados.

O silêncio foi quebrado pelo som de passos abafados no corredor. Edward estava de volta, mais cedo do que o esperado. Clara não se moveu; ela podia sentir sua presença antes mesmo dele bater à porta. "Entre," ela chamou, sem levantar os olhos das cartas.

Edward hesitou na entrada, a silhueta delineada pela luz que se infiltrava. "Você tem um jeito de desestabilizar o mundo, Clara," ele começou, sua voz tensa com uma cautela mal disfarçada.

Clara sorriu levemente, ainda sem olhar para ele. "Desestabilizar? Eu apenas removo o véu da ilusão, Edward. O mundo é que escolhe como reagir."

Ele deu um passo para dentro, observando-a como quem observa um quadro complexo. "E qual é o seu próximo movimento?"

Ela finalmente ergueu os olhos, e no brilho frio deles, Edward sentiu um arrepio de presciência. "O próximo movimento?" repetiu Clara, um eco da pergunta dele. "Ah, o próximo movimento sempre depende das peças no tabuleiro, não é mesmo? E a questão é: quem você é no jogo, Edward?"

Os olhos de Edward não se desviaram dos dela. "Isso é o que eu temo descobrir."

Clara inclinou a cabeça levemente, um gesto de reconhecimento à honestidade de Edward. A tensão entre eles era palpável, um duelo silencioso de vontades e intenções ocultas.

"O temor," ela ponderou em voz alta, "é uma reação natural quando se está à beira do desconhecido. Mas é na incerteza que a vida se desenrola em sua plenitude, Edward. Não deseja explorar o desconhecido comigo?"

Edward passou a mão pelo cabelo, uma manifestação física da sua inquietação interna. "Explorar o desconhecido pode levar a um precipício ou a um horizonte novo," ele respondeu. "E eu não sei qual dos dois você enxerga, Clara."

Ela se levantou, seus movimentos cheios de uma elegância que mais parecia uma coreografia ensaiada. "Nem eu," disse ela, com um brilho de desafio nos olhos. "Mas não é essa a beleza do jogo? Não saber se o próximo passo é um avanço ou uma queda?"

Edward considerou isso, o peso de suas próprias decisões e o papel que ele vinha a desempenhar naquele jogo intrincado. "E se eu recusar a jogar, Clara? E se eu me recusar a ser uma peça?"

Um sorriso lento se formou nos lábios de Clara. "Você já está no jogo, Edward. Todos nós estamos. A questão não é se jogamos, mas como jogamos."

Ele a observou, consciente de que cada palavra dela tinha múltiplas camadas, cada olhar e gesto eram parte da narrativa que ela tecia. "E como você joga, Clara?"

Clara caminhou até a janela, olhando para fora. "Eu jogo movendo-me através dos reflexos," ela disse, seu tom de voz tão suave que ele teve que se aproximar para ouvir. "Eu vejo o que outros não veem. Eu vejo a verdade nas sombras, Edward. E a verdade... Bem, a verdade tem tantos rostos quanto há estrelas no céu."

Ela se virou para ele, e Edward sentiu como se ela estivesse olhando diretamente para sua alma. "Você quer saber meu próximo movimento?" Clara perguntou, um traço de algo incomum em sua voz – uma faísca de genuíno interesse, talvez. "Então venha comigo. Vamos descobrir juntos."

Edward sabia que deveria recuar, que a prudência exigia cautela. Mas ele também sabia que Clara era como um enigma que ele não podia deixar de tentar resolver. "Para onde vamos?" ele perguntou, sua decisão tomada.

Clara passou por ele, liderando o caminho para fora da biblioteca. "Vamos onde os reflexos se formam," ela disse. "Vamos ver o que o espelho do mundo nos mostra hoje."

Conforme se afastavam da segurança da biblioteca, Edward sentiu uma mistura de apreensão e uma estranha sensação de antecipação. Com Clara, cada passo era um salto no desconhecido, e ele não podia negar a excitação que isso lhe trazia.

A história de Clara continuaria a se desdobrar, cheia de complexidade e jogos de poder, e Edward, querendo ou não, era agora um coadjuvante na narrativa dela. O jogo, como Clara havia dito, estava apenas começando.

Enquanto eles se dirigiam ao desconhecido, a pergunta que se impunha a Edward era a mesma que agora se impunha ao leitor: Até que ponto você seguiria Clara no jogo de reflexos e verdades?

O Reflexo de ClaraOnde histórias criam vida. Descubra agora