2. Romantismo

185 28 1
                                    

PELA MANHÃ, SAIO DE CASA SEM ME DESPEDIR DE NINGUÉM, evitando até mesmo tomar café. Uma parte de mim ainda carrega a mágoa dos comentários maldosos e da situação com minha mãe. Outra parte anseia por expressar minha raiva e o desejo de que ela enfrente as consequências de suas palavras cruéis. Há ainda uma terceira versão de mim, mais compassiva, que deseja pedir desculpas e buscar o apoio de Essler para minha nova jornada. Infelizmente, a última opção não se concretiza, e saio de casa apenas com um breve "adeus" para meus gatos, Beethoven e Mozart, e minha adorável cadelinha, Lulu da Pomerânia, Taylor Swift (Fanny quem dera o nome, apesar de eu ter insistido em nomeá-la Madonna).

Um sentimento levemente melancólico me invade à medida que me afasto da casa enquanto o táxi avança. Esta é a casa onde nasci e cresci, o lugar onde vivi 99% das minhas experiências de vida, onde aprendi a andar, a falar, ler e escrever... Todas as minhas memórias, antigas e até as mais recentes, estão intrinsecamente ligadas à casa da minha família. Aquelas paredes, aquele bairro, aquelas pessoas - tudo o que conheço e desconheço - está profundamente enraizado neste lugar. Por muito tempo, senti-me acorrentada à minha casa. Em algum lugar do meu subconsciente, sinto que estou deixando para trás tudo que sei.

Será que realmente sei alguma coisa?

Censuro a mim mesma no mesmo instante. Não posso permitir que as palavras de minha mãe atrapalhem meus objetivos, afinal, é exatamente isso que Essler deseja. Quanto mais eu continuar absorvendo tudo o que a mulher fala, mesmo que sem perceber, menos conseguirei me concentrar em provar a ela que posso ser uma artista de sucesso sem precisar ser uma bailarina.

Mas será mesmo necessário provar alguma coisa? Isso não seria o mesmo que absorver suas palavras cruéis? Quer saber? Dane-se!

Coloco meus fones de ouvido, escolho Nocturne No. 19 em mi menor no Spotify e encosto a cabeça na janela do táxi. Normalmente, ouvir os noturnos de Chopin ajuda a esvaziar a mente, mas quando estou presa no trânsito caótico de Los Angeles, a experiência é totalmente diferente. Todas as ruas da cidade parecem enviar uma mensagem pessoal. Passo por bancas de revistas repletas de fofocas sobre artistas aposentados e frustrados (o que imediatamente me faz pensar em minha mãe), vejo cartazes de filmes estrelados por famosas bailarinas (mais um lembrete da existência de Essler Gaultier) e, finalmente, um pôster que convida artistas experientes a se juntarem à Bolshoi Academy. Isso tinha que ser a cereja do bolo, é claro.

Solto um suspiro profundo, fechando os olhos por um momento. Ouvir música durante um conflito interno entre razão e emoção é como adicionar uma trilha sonora a uma tragédia. De repente, sinto como se estivesse em 1912, a bordo do Titanic, assistindo ao navio afundar ao som dos violinos. A diferença é que a embarcação é uma metáfora para minha vida pessoal e tudo o que está nela, e o iceberg é Essler Gaultier, minha mãe. Sempre sabotando meus sonhos e fazendo com que eles afundem há cinco mil quilômetros abaixo do mar.

Johannes Leonardo – meu pai – com toda certeza é como o Capitão Smith, nas tentativas fracassadas de salvar o navio, mas que acabam levando-o ao naufrágio de qualquer forma. Nunca culpei meu pai por sua tendência a se manter afastado durante as discussões com minha mãe, mas, nos últimos tempos, isso tem se tornado bastante incômodo. Ele nunca me deixou faltar nada, nunca foi ausente e sempre foi carinhoso, mas sinto que ele sempre fica sob o comando de Essler, como seu pupilo do mal, que não é tão do mal assim. É como se estivesse sempre em cima do muro, evitando tomar lados. Nunca diz concordar com mamãe, mas também nunca defende nem eu nem Fanny. Começo a me perguntar se ele a prefere a nós, ou se simplesmente minimiza os problemas a ponto de achá-los insignificantes. Já ouvi falar que homens mais velhos têm a tendência de serem menos perceptivos que as mulheres e mais desconectados da realidade, ignorando tudo porque não conseguem distinguir entre um problema pequeno e um grande.

𝐒𝐄𝐗 𝐀𝐍𝐃 𝐒𝐈𝐍, eren yeagerOnde histórias criam vida. Descubra agora