"UM, DOIS... PLIÉ! TRÊS, QUATRO... DEMI PLIÉ! QUATRO, CINCO... GRAND PLIÉ!" A voz de Essler ecoa na minha mente, suave e insistente, entre os arpejos melancólicos de Gymnopédie no. 1. Mesmo sabendo que ela está há quatro mil quilômetros de distância, imersa em suas próprias frustrações, ainda consigo sentir sua presença esguia me observando atentamente pelos cantos da sala. A lembrança de seu rigor e dedicação paira no ar, como se cada movimento meu estivesse sendo minuciosamente avaliado por aqueles olhos críticos que nunca deixam escapar um detalhe.
Talvez o apartamento alugado seja grande demais para mim, ou talvez apenas pareça vazio, já que ainda não me permiti mobiliá-lo adequadamente. A verdade é que, não importa quantas lacunas eu preencha no espaço para evitar pensar na minha mãe, ela não se encontra na ausência dos móveis ou no espaço amplo; ela reside dentro da minha cabeça. É como se cada canto vazio ecoasse suas palavras, e cada parede nua refletisse suas memórias, tornando impossível escapar da sua presença.
Eu posiciono uma caixa de papelão cheia de utensílios ao lado do balcão da cozinha. Ainda há algumas coisas que precisam ser colocadas em seus devidos lugares, mas meus ouvidos são irresistivelmente atraídos pelo som do toca-discos antigo, que ressoa "Swan Lake" pela sala inteira. Achei que tinha deixado toda a minha coletânea de músicas de balé em casa, para que Essler pudesse ouvir e se afogar em mágoa, mas, aparentemente, um dos discos de vinil passou despercebido. O som familiar enche o espaço vazio, trazendo à tona memórias e sentimentos que eu pensei ter deixado para trás.
A primeira vez que assisti a uma bailarina performando "O Lago dos Cisnes", fiquei tão impressionada que passei a ouvir a música o tempo inteiro. Lembro-me perfeitamente de sua leveza, flexibilidade e das expressões que ela transmitia enquanto dançava. A parte boa era que eu podia pedir para essa mesma bailarina dançar para mim sempre que quisesse; a parte ruim era que ela era minha mãe. Embora Essler jamais tenha reclamado das apresentações, com o tempo, à medida que as exigências aumentavam, fui eu quem parei de apreciar as danças dela. A pressão para seguir seus passos e a constante comparação começaram a ofuscar a beleza que eu inicialmente via em cada movimento, transformando o balé em um fardo.
Quando o ápice da música irrompe, não posso evitar de me mover pelo espaço amplo do apartamento. Ainda me lembro da maioria dos passos, embora não os execute com tanta perfeição como antes. Havia esquecido qual era a sensação de dançar sem ser por dever ou para atingir um objetivo específico. É uma experiência única, mover-me por diversão, simplesmente porque a música é envolvente e tenho sentimentos a expressar.
Talvez os anos de treinamento tenham me automatizado a dançar sem sentir nada, mas aqui, sozinha no meu apartamento, posso me permitir performar O Lago dos Cisnes para as paredes sem me preocupar com erros ou julgamentos, ainda que me preocupe em manter minha postura ereta e os braços leves.
Quando a música termina, mantenho minha pose final até notar alguém encostado no balcão da minha cozinha. Por um momento, penso que seja mais uma das minhas alucinações com a silhueta de Essler, mas ao focar melhor, vejo Reiner ali, de braços cruzados e uma expressão surpresa.
— Caramba —, ele diz, parecendo se esforçar para encontrar palavras.
Eu corro rapidamente até o toca-discos e tiro a agulha do vinil, impedindo a próxima música de tocar.
— Reiner? O que 'cê 'tá fazendo aqui? — eu pergunto, tentando me recordar se o convidei ou se acabei deixando meu endereço zanzando por aí.
O loiro parece ter um momento de consciência, se desencostando do balcão enquanto tira as mãos dos bolsos da calça.
— Sou seu vizinho, aparentemente — ele fala, parecendo desconcertado, ainda buscando argumentos. — Desculpe, é que vi a porta aberta e como ninguém me atendeu, achei que poderia ter acontecido algo. Nova York está enfrentando uma onda de assaltos. Perigoso, né? Semana passada...
— Eu entendi. Tá tudo bem — interrompo, sorrindo, minhas mãos se levantando. — Bom saber que tenho pelo menos um conhecido nesse condomínio gigante.
Reiner faz um menear com a cabeça, desviando o olhar para o toca-discos, ele parece analisar o objeto com um certo apreço, embora eu não possa entender completamente sua expressão.
— Você dança muito bem, [Nome]. Acho que faz jus à sua fama.
Me viro para ele, atônita. Eu tenho uma fama?
— Perdão?
— Ah, você sabe. — Braun coça a nuca. — Historia disse que as mulheres Gaultier são as rainhas do balé há uns cinquenta anos consecutivos.
— Na verdade, faz quase um século. — Me sento no sofá recém-comprado, sentindo o cheiro de embalagem plástica. — De qualquer forma, a tradição vai acabar morrendo uma hora. Começando por mim.
Reiner arqueia a sobrancelha, pensativo.
— Não gosta de balé?
— Gosto, — respondo de imediato — é lindo, mas não é isso que quero fazer. Dançar deveria ser uma escolha, uma paixão que se adquire com o tempo.
— E presumo que não seja assim que a banda toque para as mulheres Gaultier — Reiner comenta, me olhando com seriedade.
Estampo um sorriso fraco no rosto. Odeio o fato de que ele está mais que certo.
— Para nenhuma de nós é assim que funciona. Quando a família tem um legado, nada está além disso.
— Nem seu bem-estar? — ele rebate, meio incisivo e eu contenho a vontade de mandá-lo sair. Ao invés disso, mantenho o silêncio, vendo Braun entreabrir os lábios. — Desculpe, [Nome], mas é meio difícil esquecer o que aconteceu segunda-feira. Não sei o que Eren te disse, mas te magoou muito mais do que deveria.
Eu pareço magoada?
— Ele não disse nada demais. Esse é o problema. Eu só fiz tempestade em copo d'água.
Exatamente como Essler faria e isso me mata aos poucos.
— Vindo de Eren Yeager eu duvido que tenha sido "nada demais", mas não vou pressionar uma resposta sua. Você merece um tempo para se ajustar.
Faço um menear com a cabeça, sorrindo enquanto assisto Reiner caminhar até a porta. Ele é tão alto. E lindo.
— Eu moro no 502, caso precise. E te espero na festa hoje! Se quiser, posso te dar uma carona.
Pisco algumas vezes, confusa. Que festa?
A festa. Céus, como eu pude esquecer?! Historia havia me convidado no início da semana.
— Claro! Eu vou tomar uma ducha e me arrumar. Te encontro lá embaixo às oito?
Espero que Reiner não tenha percebido que esqueci, embora ele pareça bom demais em ler as pessoas.
— Às oito. — O loiro confirma, fechando a porta.
Então, eu me desdobro em mil para poder ficar pronta a tempo.
...
eu voltei.
depois de eras sem escrever e tentando descobrir se isso tudo ainda era uma paixão, eu voltei.
espero que gostem do novo capítulo, e se preparem, porque o próximo vai ser CAÓTICO.
beijocas <33
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𝐒𝐄𝐗 𝐀𝐍𝐃 𝐒𝐈𝐍, eren yeager
أدب الهواةNa prestigiada New York University, a jovem e determinada [Nome] Gaultier está prestes a alcançar seus objetivos acadêmicos e abrir portas para um futuro brilhante. No entanto, ela se vê diante de um desafio inesperado: trabalhar em um projeto com o...