III.| Chegada

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Aeroporto Humberto Delgado. Um local de aterragem de aviões que, contrariamente ao contexto europeu das viagens aéreas, se situava num centro de uma cidade. E não era uma cidade qualquer, era a capital desse cantinho à beira-mar plantado chamado Portugal. Um aeroporto com dias contados, mas incontáveis eram os dias até que se decidisse a localização do novo espaço de chegada e partida de máquinas voadoras de duas asas. Ora aí estava uma boa questão filosófica. Pior ainda era o aeroporto da Madeira, batizado com o nome do famoso futebolista avançado português que competia com Messi por bolas de ouro, Cristiano Ronaldo. Nesse, só as almas mais corajosas eram capazes de assistir à aterragem de um monstro aéreo numa pista diminuta num precipício marinho.

Dali, partiam aviões brancos, com o acrónimo "TAP" escrito numa gradação de verde e de vermelho, a esperança do povo e o sangue derramado em batalhas na formação de Portugal, significados estampados eternamente na sua bandeira. A esfera armilar, o espírito aventureiro e de descoberta que levou os Navegadores a lançarem-se pelos oceanos temerosos, enfrentando o Adamastor e, acima de tudo, a alimentação baseada no biscoito e o escorbuto que daí provinha. O escudo quase milenar que, desde o Tratado de Zamora, era a identificação desse reino medieval, com o nome de Condado Portucalense, que se opôs à governação dos reinos que viriam a formar Espanha, o inimigo e antagonista histórico de Portugal. Escudo esse com os seus sete castelos, as fortalezas de D. Afonso III no Algarve conquistado aos Mouros, e as cinco quinas, a vitória de D. Afonso Henriques em Ourique profetizada pelo Messias dos Cristãos.

Mas aqueles transportes celestes carregavam consigo todas as polémicas à volta da sua empresa, todo o dinheiro que por ali circulou e todos os "casos e casinhos".

Expectante, de mala de viagem ao lado e mochila às costas, uma rapariga alta, de olhos azuis e cabelo cor-de-mel, aguardava ansiosamente pela família que a acolheria durante o seu programa de intercâmbio. Olhava maravilhada em todas as direções, embora estivesse com receio de que, no meio daquela confusão, não a vissem, e ficasse por ali esquecida o resto do dia. No entanto, a sua mente recheava-se de muita animação. Aquela era uma oportunidade incrível para conhecer o país do seu pai. O Sol do Mediterrâneo, o calor que contrastava com o frio invernal do resto da Europa. Que belo paraíso climático!

Cristina, acompanhada pela filha, incorporara um radar na sua cabeça. O trânsito fizera-a atrasar. Era mais do que óbvio que a luso-luxemburguesa já tinha chegado. Só esperava que ela não tivesse a tentação de se pôr em aventuras e ficar perdida. Já lhe bastava o rapazito inquieto!

Matilde reconheceu Emma assim que a vislumbrou, ainda que nunca a tivesse conhecido fisicamente. As duas jovens haviam passado horas perdidas a falar pelo Skype e pelo Zoom, antes da vinda efetiva da estrangeira a Portugal.

A visitante trazia uma expressão sorridente, bem como as anfitriãs. As adolescentes trocaram cumprimentos e abraços, enquanto a mulher, calorosamente, dava as boas-vindas à recém-chegada.

O trio seguiu até ao carro de Cristina a conversar animadamente sobre tudo e mais alguma coisa. A boa disposição irradiava daquele pequeno grupo, até que o telemóvel da mãe da Matilde decidiu emitir o seu som estridente.

- Estou, filho? - Atendeu a mulher, já a adivinhar o que Francisco tinha para lhe dizer.

- Sim, mãe? - Respondeu o miúdo do outro lado da chamada, num ambiente onde reinavam vozes agudas e guinchos. - Olha, não há aulas. Mandaram-nos para casa.

- Vai de camioneta, Francisco, que a mãe está aqui no aeroporto.

- A senhora da portaria diz que o autocarro vai demorar bastante. Já aqui estou há mais de meia hora.

- Então espera um bocadinho que já te vou aí buscar.

- Está bem, mãe. Tchau.

- Tchau. Até logo, filho!

Havia um fenómeno estranho no que dizia respeito às greves das escolas. Regra geral, eram marcadas convenientemente para uma sexta-feira, uma véspera de feriado ou uma ponte. Sabido era que estes eventos inesperados atrapalhavam sempre a vida dos alunos e dos pais. Outro facto esquisito era que os miúdos não podiam lá permanecer porque era greve, mas podiam lá estar horas a fio à espera que os viessem buscar. Enfim...

(700 palavras)

Portugal, 2023Onde histórias criam vida. Descubra agora