VII.| Entre lojas e compras

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Mais um dia, novo passeio pela cidade alfacinha. Emma maravilhava-se com todos os ínfimos pormenores que os seus sentidos iam capturando durante a sua estadia no país ibérico encostado ao Atlântico. Viagem cultural, deambulação pelas tradições de um dos reinos mais antigos do Mundo. Edificado por D. Afonso Henriques, que, em São Mamede, ousou confrontar os exércitos da mãe, viu, em 1143, a sua independência de Leão e Castela nascer. 880 anos de História de um povo que, através dos séculos, foi construindo a sua identidade tão única e singular como a de qualquer outra população humana. A luso-luxemburguesa só tinha pena de não poder permanecer eternamente em processo de absorção da rica cultura portuguesa. Aqueles dias, decorrentes de um programa de intercâmbio, para sempre ficariam gravados na sua memória.

Deixados os monumentos seculares renascentistas, a família tomara a iniciativa de vaguear por algumas horas num daqueles espaços comerciais que em tantos países ocidentais surgem: um centro comercial. Mas não era um centro comercial qualquer. D. Cristina decidira que iriam ao Colombo, esplendoroso ajuntamento de lojas de multinacionais com as suas duas torres altas vidradas de lado, que protegiam uma abóbada mais baixa arredondada onde se lia, em letras finas, mas de grandes dimensões, o nome do shopping. À frente, um jardim com uma cascata recebia os clientes, bem como dois canteiros laterais de palmeiras verdejantes.

No entanto, nem ali eram esquecidos os acontecimentos marítimos da História Portuguesa. Os mosaicos no chão, em harmonia cromática, formavam uma rosa dos ventos. Em cima, pendurada no teto, uma caravela estilizada observava os visitantes. Num dos pisos, junto a uma área de descanso ladeada por um pequeno jardim interior, um globo terrestre, de traços antiquados, enfeitava a zona de bancos. Nos andares superiores, a luz solar entrava solene e calorosamente pelas clarabóias luminosas.

Do ponto de vista comercial, dominavam as multinacionais que prometiam, globalmente, conquistar o monopólio do vestuário, do calçado e da roupa desportiva. A larga maioria daquelas marcas de logótipos famosos não eram desconhecidas aos olhos da rapariga estrangeira.

Mesmo assim, foram horas bem passadas. Os adolescentes divertiram-se, riram e conviveram, entre lojas, etiquetas e promoções enganosas, com descontos bombásticos anunciados quando os preços tinham sofrido uma clara inflação pré-promocional, ao ponto de quase anular o desconto.

Do supermercado, nem se falava. Desde que o mundo decidira terminar com o clima de solidariedade vivido durante a pandemia para entrar em conflito, os preços, semana a semana, viam um aumento estrondosamente absurdo, ainda que Portugal estivesse a um canto da Europa, a uma distância considerável do conflito. Ironicamente, era engraçado ver meia dúzia de ovos, um pacote de leite ou um papo-seco aumentar 200% e sofrer uma subida abrupta naquele dia que toda a gente acorda mal-disposta, a segunda-feira. Engraçado não era na hora de entregar as notas e as moedas à funcionária da caixa.

E Cristina bem pensara antes de remover uma boa quantia do seu salário para a atividade daquela noite. O preço era elevado, e ainda por cima contava-se quatro pessoas. Regra geral, só os turistas mais abastados tinham o privilégio de ir a uma casa-de-fados. Mas a mulher tinha prometido a Emma que visitariam uma, e os filhos, mesmo que portugueses, nunca haviam tido a oportunidade de assistir a um espetáculo cultural daquela natureza. A mãe solteira queria mostrar do seu país de tudo um pouco: e era mais que óbvio que o Fado, símbolo da sua nação, não podia ser esquecido. Havia de ser bom para o enriquecimento pessoal de todos. Portanto, depois da ida ao Colombo, ao pôr-do-Sol, o quarteto vestiria as suas melhores roupas e rumaria para a zona de Alfama.

(600 palavras)

Portugal, 2023Onde histórias criam vida. Descubra agora