Ipê

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Para muitos, a situação em que o homem encontrava-se, era caótica. Sem roupas, apenas trapos; sem algo sólido para comer, apenas frutas com efeito efêmero; sem um destino; apenas a esmo; sem o pior destes: o sentido de passar por tudo aquilo.

"Eu acho que estas pessoas prendem-se muito em algo do agora, e do futuro. Algumas ainda estão vivendo seu presente no pretérito. Pergunto-me qual seria o tempo ideal para vivermos.
Presente? Mas não é conveniente que eu viva só no agora, talvez o amanhã precise de mim. Futuro? Para um futuro, preciso de um presente. Pretérito? Viável, mas não posso retornar a ele. Talvez eu devesse tentar parar de procurar uma ideia tão universal e objetiva, esta, por sua vez, é pejorativa diante de meus olhos. Mas, ainda, oque seria de mim sem estes três tempos verbais?
Eu queria viver, mas ainda que eu tente fugir da verdade, ainda sou um escravo da liberdade.
Eu queria sentir, e só sentir; eu ainda seria um escravo dos meus sentimentos.
Ah! E como! Eu queria realizar e desejar; eu ainda seria escravo dos meus desejos.
Amo-te sendo quem tu és ou amo-te sabendo o quão méleo é possuir estas sensações; eis a questão: amo o desejado ou o desejo?"

Haviam se passado minutos e minutos desde que ele sentara sob a árvore; ele pensou tanto assim? Talvez sua mente fosse ínfima diante de todas as suas dúvidas e respostas mais bem elaboradas. Talvez este tenha mais tempo para pensar.

Então, às horas passavam-se cada vez mais lentas, como um jaboti querendo explorar mundo a fora com a capacidade de suas pernas. Aquela árvore sobre ele resmunga; "você está aí há muito tempo, sabe que há linces por aqui, não?". Rapidamente ele levantou-se e pôs-se de pé diante da velha árvore. "Sei que há muitos animais silvestres por aqui, mas não tenho um inventário variado de opções de defesa, muito menos força física para um conflito com eles.".

Oque significava aquilo? Às árvores costumam ficar de boca fechada; predominantemente, elas prezam por paz interior, sempre buscando manterem-se nas rédias. Usam pouco de seu dicionário vasto, não era comum que gastassem saliva com esses humanos.

"Ouça, não só linces, há onças por aqui; elas sobem em mim com garras afiadas, perfurando-me com unhas pontudas, não é uma sensação agradável. Estas ficam agitadas quando vêem humanos por perto, é costumaz que assim que avistam uma árvore, subam de imediato nestas. Não suba em mim."

"Oh, não! Eu não subiria, nem saberia articular um passo se quer se uma onça aparecesse diante de mim. Mal tenho forças para levantar uma pedra."

"Vejo que você é tão magro quanto uma vara de bambu. Suas roupas parecem de guerreiros astecas; mas seus olhos e sua alma ainda me parecem florescer como um Helianti... Heliantenos... Heli-..."

"Helianthus?"

"Boa perspicácia. Estes nomes científicos humanos sempre confundem. Mas é isto que quero dizer-te."

"Caracteriza-me de forma profunda como um girassol? Sinceramente, estou curioso sobre como pensas; estás aqui a quanto tempo?"

"Uma afirmação de cada vez.
Recordo-me de um dia em que fui novo, passara-se primaveras atrás de primaveras e eu ainda estava novo. Quando acordei, tinha envelhecido completamente, estava mais rígido e anoso.
Enquanto estava acordado, aqui era mais cheio. Haviam jaguatiricas correndo atrás das outras cotidianamente; às Sardinheiras nasciam e morriam no mesmo dia, estas cantavam sem parar durante toda a vida. Uma vez, vi oque pareciam ser uma coruja e alguém junto a este, eles brincavam perto do pico das montanhas... Não os vejo mais."

"Disseram-me que havia mesmo algumas montanhas por aqui. Alguns anciãos dizem que este lugar já foi alguma espécie de latíbulo para os animais e plantas."

O forasteiro de uma perna só Onde histórias criam vida. Descubra agora