Desprezo

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Dentro. Fora.

Houve um zumbido de luz em seu ouvido. Anessa sentiu o frio voltando agora. Isso se apoderou dela lentamente. Seus cabelos se arrepiaram e o som dos fortes ventos lá fora batendo contra o pequeno barraco a arrastou de um sono profundo. Era como um assobio constante que acompanhava o estalo da madeira.

Anessa sentiu muito frio e, quando mal abriu os olhos, percebeu sua respiração. Foi como uma névoa que se dispersou no ar. Uma vela estava acesa sobre a mesa, já meio derretida, e abaixo dela havia um monte gigante de cera branca das muitas velas que estavam diante dela.

Dentro. Fora.

Anessa sabia que ouviu a respiração. Foi lento e muito silencioso, e soou estranho. Como se cada respiração lenta e constante estivesse confinada em alguma coisa. Ela notou a figura escura à sua frente, sentada imóvel nas sombras, e percebeu que devia ter ouvido sua respiração por baixo da máscara azul. A luz incidia sobre ele, dançando ao longo das curvas, cicatrizes e amassados, e se não fosse por isso, ela nem teria notado. Os olhos de Anessa não se desviaram do formulário – ela não queria. A ideia de que ele desaparecesse, ou se aproximasse, ou mesmo se movesse quando ela desviasse o olhar a impediu de tentar. A imagem dele pairando sobre ela, com um líquido preto pendurado em seus lábios estava embaçada, e ela não sabia se era um sonho ou não. Por um momento ela jurou que se lembrava de sentir uma dor extrema, e logo depois de sentir o calor do corpo de outra pessoa. O frio não foi ignorado e logo ela começou a tremer. Os músculos ficaram tensos dolorosamente enquanto ela tentava conter as tentativas fúteis de seu corpo de se manter aquecido. Se não fosse pelos tremores, ela fingiria estar dormindo. Pelo menos então ela teria tempo para pensar no que fazer.

De repente, Anessa grunhe. Seu ombro doía muito, mais do que ela poderia imaginar. Anessa morde a língua com força, seus olhos se fecham com força enquanto sua cabeça pende para baixo em uma miséria silenciosa. A dor, foi demais. Doía desde o seio até os nós dos dedos. Ela só queria arrancar o braço, assim pararia de doer. Sussurrando uma maldição silenciosa, ela estabiliza a respiração em um ritmo lento.

Dentro. Fora. Dentro. Fora.

Logo ela encontrou seu ritmo. Trêmulo, mas calmo.   

"Você está com medo?"

A voz quebrou sua concentração muito rapidamente. Foi como uma brisa de ar frio – fez as pontas de seus cabelos se arrepiarem. Suave e sedosa, mas com uma malícia tão evidente. Ela estremece de novo, não por causa do frio, mas por causa daquela voz.

Ele estava falando com ela agora, para sua consternação. A reação inicial de Anessa foi não responder, manter a boca fechada. Mas a maneira como ele esperou, a maneira como esperou pacientemente ... Ela sentiu que, pelo bem de sua vida, não tinha opção.

“…Sim,” ela admitiu secamente.  

Anessa não estava tentando parecer corajosa – ela não via sentido nisso. Agora ela estava aterrorizada. Absolutamente, completamente petrificado. A visão disso... isso ... a fez querer fugir para longe. Corra e não pare até que suas pernas caiam. Mas ela sentiu a corda amarrada ao seu redor e, embora pudesse facilmente ter tentado se libertar, não o fez. Porque se ela escapasse e corresse para a porta, ele a alcançaria antes que ela pudesse pular da velha cadeira. 

Outra rajada de vento, mais forte que todas as anteriores, bombardeia o lado oeste do edifício. Os olhos de Anessa disparam na direção, seu corpo inclinado na cadeira com medo puro.  Ah, não, ela pensou, seus dentes mordendo com força o lábio inferior. 

Carne crua (Eyeless Jack)Onde histórias criam vida. Descubra agora