Capítulo 1

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Kara Danvers caminhou pela trilha rochosa, com um labrador preto de quatro meses correndo ao lado dela. Ela se perguntou por quanto tempo seu coração ficaria pesado — vazio — enquanto ela viajasse por esses caminhos familiares. Conversas animadas e risadas costumavam encher o ar... agora, nada além do vazio a cercava.

Ela olhou para o cachorrinho que havia batido em sua perna. Ah, não totalmente vazio, ela reconheceu. Se ela deixasse, o cachorro poderia trazer um sorriso ao seu rosto com suas travessuras. Se ela permitisse sons lá dentro, ela poderia ouvir o chamado dos gaios e dos corvos enquanto eles a repreendiam nas árvores. Ela podia ouvir os sons frequentes do chapim real enquanto eles voavam entre os cedros e carvalhos e a melodia clara e assobiando de um cardeal enquanto cantava para sua companheira. Ocasionalmente, o chamado estridente e agudo de um falcão de cauda vermelha circulando no alto a fazia vasculhar o céu, na esperança de ter um vislumbre.

Mas foi a ausência de sons o que mais a entristeceu. Risos infantis, perdidos nas árvores; brincadeiras divertidas entre primo e irmã e suas esposas; a voz estrondosa de seu pai; a risada gentil da avó; sua mãe perseguindo os netos risonhos; seu avô cantando enquanto caminhavam... sons que a assombravam agora.

Sons vazios que a assombravam há meses. Sons que ela nunca mais ouviria..., mas sons que ecoariam para sempre em sua mente.

Ela respirou fundo, amaldiçoando a direção de seus pensamentos. Quase todos os dias ela caminhava pelas trilhas que cobriam a propriedade de seus avós... trilhas que ela ajudou a construir ao longo dos anos. Era uma propriedade ideal na região montanhosa, margeada pelas águas frescas e límpidas do rio Flor do Campo de um lado e pelo pequeno riacho cheio de pedras do outro. No meio havia hectares e hectares de colinas rochosas pontilhadas de carvalhos e zimbros - sempre chamados pelos habitantes locais de cedros -, cactos de pera espinhosa, as algarobas espinhosas, os adoráveis loureiros da montanha e os bordos grandes e os muitos ciprestes antigos que ladeavam ambos. O rio e o riacho. Paraíso, era como sua avó o chamava. Agora era o seu paraíso. E ela descobriu que o paraíso era um lugar muito, muito solitário.

Mais uma vez, ela pensou que talvez tivesse sido um erro mudar-se para cá. Mas o que mais ela poderia fazer? Ela não era capaz de funcionar lá fora. Ela não foi capaz de fazer seu trabalho funcionar. Inferno, ela mal tinha vontade de viver na maioria dos dias. Não, sua vida foi despedaçada. Igual a um vidro trincado. Ela queria se esconder em um lugar escuro e fugir do mundo. Muitas noites ela desejou que aquilo acabasse, esperando não viver para ver outro dia miserável. O sol nascia novamente, é claro.

Ela seguiu em frente, expulsando seus pensamentos como normalmente tentava fazer. Fred pegou uma pequena vara e carregou-a enquanto caminhavam. Ela precisava passar mais tempo com ele. Ele adorava brincar de buscar e ela encontrou uma velha bola de tênis no barracão do jardim. Quando ela conseguia reunir energia – e vontade – ela jogava isso para ele à noite. Ele era um cachorro inteligente com energia ilimitada, e ela deveria usar esse tempo para treiná-lo. Até agora ele havia dominado o 'senta', o que fazia durante três segundos, e aprendeu a 'rola', sua nova atividade favorita. Claro, 'bola' era a palavra que mais chamava a atenção dele e mesmo quando ela não perguntava, muitas vezes ele encontrava a bola amarela desbotada e trazia para ela. Ela bagunçou a cabeça dele e depois tentou tirar a vara da boca dele. Ele apertou os dentes com força, emitindo um grunhido brincalhão enquanto o puxava para longe dela.

Então ela ouviu. Risada. A risada de uma criança. A princípio, ela achou que era uma piada cruel. Parecia Eddy, seu sobrinho. Seu coração doeu e ela olhou em volta, esperando vê-lo correndo atrás dela, seu sorriso contagiante enquanto ele corria para seus braços. Não... a trilha estava vazia. No entanto, a risada ecoou novamente. Fred se virou, as orelhas caídas em posição de sentido, o olhar voltado para a floresta.

A trilha que haviam percorrido naquele dia ficava no lado leste da propriedade, adjacente à Watoga State Park. Como normalmente acontecia, ela havia levado a Kawasaki Mule de seu avô até uma das trilhas cruzadas e estava andando de lá, fazendo uma volta que poderia levar de uma a duas horas, dependendo do caminho que ela fizesse.

 Como normalmente acontecia, ela havia levado a Kawasaki Mule de seu avô até uma das trilhas cruzadas e estava andando de lá, fazendo uma volta que poderia levar de uma a duas horas, dependendo do caminho que ela fizesse

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(Nota: Esse é o Mule, o carro que o avô da Kara andava)

Ela decidiu investigar o som. Provavelmente vinha do riacho. O riacho separava a casa dos avós da dos Harrison, do outro lado. Os Danvers's e os Harrison's não se davam bem. Ela aprendeu desde cedo a não brincar no riacho se a velha senhora Harrison estivesse por aí. Ela era uma velha malvada e, francamente, Kara tinha medo dela. Ela se perguntou se ainda estava viva.

Quando chegaram perto do riacho, ela silenciou Fred, segurando-o ao seu lado enquanto seu olhar descia para a água. Ela ficou chocada ao ver um menino de oito ou dez anos jogando pedras na água. Um cachorro com uma pelagem amarelada, provavelmente um filhotinho como Fred, tentava pegá-los, fazendo o menino rir. Ela ficou ali, com lágrimas enchendo os olhos enquanto o observava. Eddy teria sete anos. Luke, nove. Ela podia vê-los jogando pedras no rio Flor do Campo, não no riacho. Ela podia vê-los chapinhando no lago ou balançando a corda no rio, rindo enquanto mergulhavam na água fria. A visão daquele garoto com seu cabelo loiro desgrenhado brilhando ao sol, o cachorro pulando ao lado dele, a deixou tão incrivelmente triste que ela sentiu seu coração se partir novamente.

Ela recuou, para longe do riacho, com lágrimas escorrendo pelo rosto. Fred choramingou ao lado dela, como normalmente fazia quando ela chorava. Ela voltou para a trilha, os pensamentos tentando invadir, apesar de seu melhor esforço para afastá-los novamente. O telefonema, as lágrimas, os funerais, o vazio... e a solidão.

Como sempre acontecia, ela simplesmente não aguentava. Ela caiu contra uma árvore, os soluços quase a sufocaram enquanto ela chorava. O filhote preto estava deitado ao lado dela, mordiscando sua mão com os dentes. Ela não sabia quanto tempo ficou ali sentada. Poderiam ter se passado horas. Tempo suficiente para que suas lágrimas secassem. Tempo suficiente para que o vazio voltasse a envolver seu coração.

KARLENA - Quem De Nós DuasOnde histórias criam vida. Descubra agora