Simone
O telefone toca enquanto a dra. Polly prescreve remédios para Maya (menininha com leucemia). Hora errada. Péssima. A dra. Polly não está feliz por ser interrompida e deixa isso claro. Parece ter esquecido que eu, por ser enfermeira da noite, já deveria ter ido para casa às oito da manhã, mas ainda estou aqui lidando com doentes e profissionais irritados como ela. Ignoro a ligação, óbvio. Depois tenho que me lembrar de ouvir o recado e mudar o toque do celular para alguma coisa menos vergonhosa (esse de agora se chama "Jive" e é animado demais para o ambiente hospitalar. Não que um lugar com pessoas doentes não mereça animação, mas nem sempre é apropriado).
Lígia: Por que não atendeu? Não é falta de educação de sua parte? E se fosse sua namorada de cabelo curto?
Dra. Polly: Falta de educação é não colocar o celular para vibrar durante a ronda. Mas estou surpresa de alguém, seja lá quem for, ter tentado ligar para ela a essa hora.
Olha para mim, meio irritada, meio rindo.
Dra. Polly: Talvez você tenha notado que a Simone não é de falar muito, Lígia.
Ficam de segredinho.
Dra. Polly: Um dos residentes diz que a Simone tem um número de palavras limitado para usar por turno e, a essa hora, o estoque já acabou.
Não me digno a responder. Falando em namorada de cabelo curto: ainda não contei a Kay sobre o negócio do quarto. Não tive tempo. Tentando fugir de uma briga inevitável. Mas preciso ligar para ela hoje de manhã, sem falta.
Hoje foi bom. A dor do sr. Prior diminuiu. O bastante para ele começar a me contar sobre o homem pelo qual se apaixonou nas trincheiras: um cara charmoso de cabelo preto chamado Johnny White, com um brilho no olhar e o queixo esculpido de um astro de Hollywood. Passaram um verão romântico e agitado em meio à guerra e depois se separaram. Johnny White foi levado para o hospital com estresse pós-traumático. Os dois nunca mais se viram. O sr. Prior podia ter enfrentado muitos problemas (homossexualidade é perturbador para militares).
Eu estava cansada, o café, perdendo efeito, mas fiquei com o sr. Prior depois da troca de turno. O cara nunca recebe visita e adora conversar. Impossível escapar da conversa sem um cachecol (o décimo quarto que ganho dele). Só posso recusar até certo ponto, e o sr. Prior tricota tão rápido que me pergunto por que se deram o trabalho de fazer a Revolução Industrial. Quase certeza de que ele é mais rápido do que uma máquina.
• • •
Ouço a caixa postal depois de comer um frango refogado, perigosamente requentado, vendo Masterchef da semana anterior.
Recado:
"Oi, este é o telefone de S. Tebet ? Ah, droga, caixa postal. Sempre faço isso. Tudo bem, vou supor que você é S. Tebet. Meu nome é Soraya Thronicke e estou ligando para falar do anúncio sobre o quarto. Olha, meus amigos acham que é estranho a gente dividir uma cama, apesar de ser em momentos diferentes, mas não vou me incomodar com isso se você não se incomodar. E, para ser sincera, eu faria qualquer coisa para conseguir um apartamento no centro de Londres por esse preço, disponível para mudança imediata. [Pausa.] Meu Deus, qualquer coisa não. Tem um monte de coisa que eu não faria. Não sou... Não, Martin, agora não. Não dá para ver que estou no telefone? "
Quem é Martin? Uma criança? Essa mulher tagarela quer levar uma criança para minha casa?
Recado continua:
"Desculpa, foi o meu colega de trabalho. Ele quer que eu faça um cruzeiro com uma senhora de meia-idade para falar sobre crochê com uma porção de aposentadas. "
Não esperava essa explicação. É melhor, mas gera muitas perguntas.
Recado continua:
Olha, pode me ligar de volta ou me mandar uma mensagem se o quarto ainda estiver disponível? Sou super organizada, não vou atrapalhar e costumo preparar o dobro da comida necessária, então, se gostar de comida caseira, posso deixar sempre um pouco para você.
Ela passa o número de telefone. Bem a tempo, lembro-me de anotar. Moça irritante, com certeza. E é mulher, o que pode incomodar Kay. Mas só duas outras pessoas ligaram: uma perguntou se eu tinha algum problema com porcos-espinhos de estimação (resposta: não, a menos que morem na minha casa) e a outra com certeza era traficante (não estou julgando — me ofereceu drogas durante a ligação).
Preciso de trezentas e cinquenta libras a mais por mês se quiser continuar pagando Sal sem ajuda de Kay. É o único plano possível. Além disso, nunca vou ver a moça irritante. Só vou estar no apartamento quando ela estiver fora.
Mando mensagem:
"Oi, Soraya. Obrigada pelo recado. Seria ótimo encontrar você e falar sobre o apartamento. Que tal sábado de manhã? Tchau, Simone Tebet."
Mensagem legal, de uma pessoa normal. Resisto à vontade de perguntar sobre o cruzeiro de Martin, mas fico curiosa. Ela responde quase instantaneamente:
"Oi! Está ótimo. Às dez no apartamento então? Bj."
" Melhor às nove, senão vou acabar dormindo! Vejo você no sábado. O endereço está no anúncio. Tchau, Simone. "
Pronto. Combinado. Fácil: trezentas e cinquenta libras por mês quase na mão. Agora é contar para Kay.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Teto para duas - Simone e Soraya
FanfictionTrês meses após o término do seu relacionamento, Soraya finalmente sai do apartamento do ex-namorado. Agora ela precisa para ontem de um lugar barato para morar. Contrariando os amigos, ela topa um acordo bastante inusitado. Simone está enrolada co...