Capítulo 05

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Soraya

Penso em colocar os óculos escuros, mas concluo que ficaria com cara de diva, já que estamos no meio do inverno. E ninguém quer dividir apartamento com uma diva. A pergunta, claro, é se eles preferem uma diva ou uma mulher com o emocional abalado que, obviamente, passou os últimos dois dias chorando sem parar. Lembro a mim mesma que isso não é uma divisão de apartamento como outra qualquer. Simone e eu não precisamos nos dar bem — não vamos morar juntas, não para valer, só vamos ocupar o mesmo espaço em momentos diferentes.

Ela não vai se incomodar se eu passar todo o meu tempo livre chorando, vai?

— Jaqueta — ordena Rachel, entregando-me a roupa.

Ainda não cheguei ao ponto de precisar que outra pessoa me vista, mas Rachel dormiu aqui em casa ontem e, já que está aqui, provavelmente vai se encarregar da situação. Mesmo que "a situação" seja fazer com que eu me vista de manhã. Triste demais para protestar, visto a jaqueta. Adoro esta peça. Eu que fiz a partir de um enorme vestido de baile que comprei em um brechó. Simplesmente desmembrei a peça toda e usei o tecido para fazer algo do zero, mas deixei os bordados, por isso há lantejoulas e bordados roxos no ombro direito, nas costas e sob os seios. Parece uma jaqueta de apresentador de circo, mas cai super bem e, por mais estranho que pareça, o bordado sob os seios afina minha cintura.

— Eu não dei esta jaqueta para você? — pergunto, franzindo a testa. — Em algum momento do ano passado?

— Você, se separar desta jaqueta? — Rachel faz uma careta. —Eu sei que você me ama, mas tenho certeza de que não ama ninguém tanto assim.

Certo, claro. Estou tão triste que nem consigo pensar direito. Mas pelo menos estou me preocupando com o que vou usar hoje. Sei que estou mal quando ponho a primeira coisa que encontro na gaveta. E não é como se ninguém fosse notar: meu guarda-roupa é tão exótico que uma combinação mal planejada realmente chama atenção. A calça de veludo mostarda, a blusa creme de babados e o longo cardigã verde que usei na quinta-feira causaram certa comoção no trabalho. Hana, do marketing, teve um acesso de tosse incontrolável quando entrei na copa, ao engasgar com o café. Além disso, ninguém entende por que estou tão mal. Dá para ver que todos estão pensando: Por que ela só está chorando agora? O Jonas não foi embora há meses ?Eles estão certos. Não sei por que essa etapa específica do novo relacionamento de Jonas me incomoda tanto. Eu já havia decidido que sairia de vez da casa dele. E não queria me casar com ele nem nada.

Só achei... que ele ia voltar. Era isso que sempre acontecia: Jonas ia embora, batia as portas, me ignorava, não atendia minhas ligações, mas depois percebia o erro. E aí, quando eu achava que estava pronta para começar a esquecê-lo, lá estava ele de novo, estendendo a mão e me pedindo para acompanhá-lo em alguma aventura incrível. Mas agora acabou, não é? Ele vai se casar. Isso é... Isso é...Rachel me passa uma caixa de lenços de papel sem dizer nada.

— Vou ter que refazer minha maquiagem. De novo — digo,depois que o pior passa.

— Não dá tempo meeeesmo — responde Rachel, mostrando a tela do celular.

Merda. Oito e meia. Tenho que sair agora ou vou me atrasar, e isso vai pegar muito mal. Se vamos seguir regras rígidas de horário no apartamento, Simone vai querer que eu seja pontual.

— Óculos escuros? — pergunto.

— Óculos escuros.

Rachel me passa os óculos. Pego a bolsa e vou até a porta. Enquanto o trem balança pelos túneis da Linha Norte, vejo meu reflexo na janela e me ajeito. Estou bonita. O vidro embaçado e arranhado ajuda, como se fosse um filtro do Instagram. Mas esta é uma das minhas roupas favoritas, acabei de pintar o cabelo e, apesar de eu ter chorado e precisado tirar todo o lápis de olho, o batom continua intacto. Aqui estou eu. Eu consigo. Sei me virar muito bem sozinha. Isso funciona mais ou menos até chegar à entrada da estação de Stockwell, quando um cara grita para mim do carro:

Teto para duas - Simone e SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora