Capítulo 13: Abril.

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Soraya


— Acho que estou tendo palpitações.

— Ninguém tem palpitações desde o começo do século —responde Rachel, tomando um gole inaceitavelmente grande do café com leite que o diretor editorial comprou para mim (de tempos em tempos, ela se sente culpada pela Butterfingers não me pagar o suficiente e gasta três libras em um café para apaziguar a própria consciência).

— Este. Livro. Está. Me. Matando — digo.

— A gordura saturada do seu almoço está te matando. —Rachel cutuca o pão de banana que estou comendo aos poucos. —Essa história de cozinhar está piorando. E, com isso, quero dizer melhorando, claro. Por que você não está engordando?

— Estou, mas sou maior que você, então não dá para notar tanto a diferença. Acumulo os quilos a mais em lugares que você não vê. Tipo o bíceps, por exemplo. Ou a bochecha. Estou ficando com as bochechas mais redondas, você não acha?

— Trabalhe, mulher! — exige Rachel, dando um tapa nos layouts espalhados entre nós.

A reunião semanal sobre o livro de Katherin se tornou diária no decorrer de março. Agora, diante da terrível noção de que é abril e o livro vai para a gráfica em apenas dois meses, tornaram-se reuniões e almoços diários.

— E quando vai conseguir as fotos dos chapéus e cachecóis? —acrescenta Rachel.

Ai, meu Deus. Os chapéus e os cachecóis. Acordei no meio da noite pensando em chapéus e cachecóis. Não há nenhuma agência disponível para fazê-los em tão pouco tempo e Katherin não tem tempo nenhum. Por contrato, ela não tem que fazer todas as amostras — um erro que nunca mais vou cometer na época da negociação —, então não tenho munição para obrigá-la. Tentei até implorar, mas ela disse, com carinho, que eu estava passando vergonha. Olho triste para o pão de banana.

— Não tem solução — digo. — O fim está próximo. O livro vai para a gráfica sem fotos no capítulo de chapéus e cachecóis.

— De jeito nenhum — responde Rachel. — Para começar, você não tem palavras suficientes para preencher o espaço. Trabalhe! E depois pense em alguma coisa! E rápido!

Que saco. Por que gosto dela mesmo?

• • •

Ponho a chaleira no fogo assim que chego em casa. A noite merece uma xícara de chá. Há um bilhete antigo de Simone preso na parte de baixo da chaleira. Esses Post-its grudam em tudo. A caneca dela ainda está ao lado da pia, com café com leite pela metade. Ela sempre bebe café desse jeito, na mesma caneca branca lascada com um desenho de coelho. Toda noite a caneca está em um dos lados da pia, ou pela metade — o que acho que significa que ela estava com pressa — ou secando no escorredor —o que quer dizer (eu acho) que ela conseguiu acordar quando o alarme tocou e deu tempo de lavar. O apartamento agora está muito aconchegante. Tive que deixar Simone recuperar parte do espaço da sala — em algum momento do mês passado, ela tirou metade das minhas almofadas do sofá e as empilhou no corredor com um bilhete: Elas precisam ir embora(desculpa) —, mas talvez ela estivesse certa ao dizer que havia almofadas demais. Estava difícil sentar no sofá. A cama ainda é a parte mais estranha dessa história de dividir o apartamento.

Durante o primeiro mês, eu colocava meus lençóis à noite e os tirava toda manhã e me deitava no limite do lado esquerdo, o travesseiro afastado do dela. Mas agora não me preocupo em trocar os lençóis — só deito do meu lado. Na verdade, tudo é bem normal. Claro, ainda não conheci de verdade minha colega de apartamento, e sei que isso é tecnicamente muito estranho, mas começamos a deixar bilhetes com mais frequência e às vezes até esqueço que não tivemos essas conversas ao vivo. Jogo a bolsa no chão e desabo no pufe enquanto o chá fica pronto. Se for sincera comigo mesma, estou esperando. Já faz meses que estou esperando, desde que vi Jonas. Ele com certeza vai entrar em contato comigo. Bom, não respondi à mensagem — e odeio Grazy e Dean às vezes por não me deixarem fazer isso —, mas ele me lançou aquele olhar no cruzeiro. Claro que agora já faz tanto tempo que quase esqueci o olhar em si. Ele se tornou apenas uma compilação de várias expressões que me lembro de ver no rosto de Jonas (ou, sendo mais realista, das fotos dele no Facebook)... mas isso não importa. Na hora, foi tão... Bom, ainda não sei o que foi. Tão alguma coisa. À medida que mais tempo passa, eu me pego pensando em como foi estranho ver Jonas naquele navio no único dia em que Katherin e eu íamos dar a aula de "Como fazer suas próprias roupas de crochê com habilidade". Por mais que a ideia seja atraente, ele não pode ter ido só para me ver — mudamos o dia no último minuto, então ele não tinha como saber que eu estaria lá. Além disso, ele disse na mensagem que estava lá a trabalho, o que é perfeitamente plausível: ele trabalha para uma empresa de entretenimento que organiza atividades em atrações como cruzeiros e passeios turísticos em Londres (eu nunca entendi os detalhes, para ser sincera. Tudo parecia muito estressante e cheio de confusões logísticas).Então, se ele não foi de propósito, não parece um pouco uma jogada do destino? Pego o chá e vou até o quarto, distraída. Nem quero voltar com Jonas, quero? Essa está sendo nossa separação mais longa e parece mesmo diferente das outras. Talvez porque ele tenha me trocado por outra mulher e pedido a mão dela em casamento. É, provavelmente foi isso. Na verdade, eu não deveria nem ficar me perguntando se ele vai entrar em contato comigo. O que isso diz sobre mim: ficar esperando uma ligação de um homem que com certeza me traiu?

— Isso diz que você é leal e confia nas pessoas — diz Dean, quando ligo para ele e faço essa mesma pergunta. — As mesmas características que provavelmente vão fazer o Jonas tentar entrarem contato de novo.

— Você também acha que ele vai tentar?

Percebo que estou agitada, irritada, louca para que ele me deixe mais calma, o que me incomoda ainda mais. Começo a arrumar meus DVDs de Gilmore Girls na ordem certa, inquieta demais para ficar parada. Há outro bilhete preso entre a primeira e a segunda temporadas. Eu pego e leio rápido. Tenho tentado convencer Simone usar nossa TV e ofereci minha coleção de DVDs de grande qualidade como ponto de partida. Ela não se convenceu.

— Tenho quase certeza — diz Dean — Esse parece o estilo do Jonas. Mas... você quer mesmo que ele tente?

— Eu gostaria que ele conversasse comigo. Ou pelo menos lembrasse que eu existo. Não sei o que está pensando. Ele pareceu muito irritado comigo por causa do apartamento, mas a mensagem depois que o vi no cruzeiro foi muito fofa, então... não sei. Quero que ele ligue. Droga. — Fecho os olhos com força. — Porquê?

— Talvez você tenha passado muito tempo ouvindo que não conseguiria se virar sem ele — responde Dean, com carinho. — Isso explicaria por que o quer de volta, mesmo sabendo que não quer.

Procuro um tema para mudar de assunto. O último episódio de Sherlock? A nova assistente da empresa? Mas percebo que não tenho energia para tentar disfarçar. Dean espera em silêncio.

— Isso é verdade, não é? — pergunta ele. — Quer dizer, você já pensou em sair com outra pessoa?

— Eu poderia muito bem sair com outra pessoa — protesto.

— Hum... — Ele suspira. — Como você se sentiu ao notar o olhar dele no cruzeiro, Sô ?

— Não sei. Já faz muito tempo. Acho que... me senti meio...sexy? E bem por me sentir desejada?

— Você não ficou com medo?

— O quê?

— Você não teve medo? Aquele olhar não fez você se sentir menor ?

Franzo a testa.

— Dean, para. Foi só um olhar. Ele definitivamente não estava tentando me assustar. Além disso, liguei para falar sobre a possibilidade de ele me telefonar um dia, e, obrigada, você fez com que eu me sentisse um pouco melhor. Então vamos parar por aqui.

Há um longo silêncio do outro lado da linha. Estou um pouco abalada apesar de tudo.

— Esse relacionamento te fez mal, Sô — diz Dean, com cuidado. — Ele deixava você muito triste.

Balanço a cabeça. Tipo, sei que eu e Jonas brigávamos, mas sempre fazíamos as pazes e as coisas ficavam mais românticas depois da briga, então eu não me importava de verdade. Não eram como as brigas de outros casais — simplesmente faziam parte da montanha-russa linda e louca que era nosso relacionamento.

— Um dia você vai entender— afirma Dean. — E, quando isso acontecer, ligue para mim, está bem ?

Assinto, sem saber com o que estou concordando. Acabei de encontrar a distração perfeita: a sacola de cachecóis embaixo da cama de Simone. A que encontrei em minha primeira noite aqui, a que me convenceu de que Simone era uma serial killer. Achei um bilhete que, com toda a certeza, não estava ali quando a vi pela primeira vez: PARA A CARIDADE.

— Obrigada, Dean. Vejo você domingo no café.

Desligo, já procurando uma caneta.

"Oi, Bom, desculpe por vasculhar embaixo da sua (nossa) cama. Sei que isso é absolutamente inaceitável. Mas esses cachecóis são INCRÍVEIS. Tipo, parece o trabalho de um estilista. E eu sei que nunca conversamos sobre isso nem nada, mas imagino que você esteja deixando uma estranha qualquer (eu) dormir na sua cama porque está sem dinheiro, não porque é uma mulher muito legal que se sente mal por saber como é difícil conseguir um apartamento barato em Londres. Então, apesar de APOIAR MUITO quem doa roupas antigas para a caridade (afinal, compro a maior parte das minhas em brechós —pessoas como eu precisam de pessoas como você), acho que você deveria vender esses cachecóis. Conseguiria umas duzentas libras porcada um, fácil. E, caso queira dar noventa por cento de desconto para sua incrível colega de apartamento, não vou achar ruim."

Bjos,Soraya.

P.S.: E, desculpe perguntar, mas onde você conseguiu todos esses cachecóis?

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⏰ Última atualização: Aug 22 ⏰

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Teto para duas - Simone e SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora