Capítulo 06

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Simone

— Ela é perfeita...

Estou piscando bem devagar no ônibus. Piscadas lentas e maravilhosas que, na verdade, são sonecas curtas.

— Sério? Não é chata?

Kay, parecendo irritada

— Que diferença faz? Ela é limpa, organizada e pode se mudar já. Caso esteja mesmo decidida a fazer isso, não tem como esperar coisa muito melhor.

— Ela não ficou incomodada com o homem estranho do apartamento 5? Ou com a família de raposas?

Breve pausa.

— Ela não considerou nada disso um problema.

Piscada maravilhosamente lenta. Muito longa. Preciso tomar cuidado — não posso acordar no ponto final do ônibus e ter que voltar tudo de novo. Sempre um perigo depois de uma semana longa.

— E como ela é?

— Ela é... diferente. Meio exagerada. Estava usando um daqueles óculos escuros grandes com armação de tartaruga, apesar de ainda ser inverno, e tinha flores pintadas nas botas. Mas o importante é que está dura e muito feliz por ter encontrado um quarto tão barato!

"Exagerada" é o termo de Kay para gorda. Queria que ela não dissesse coisas assim.

— Olha, você já está vindo pra casa, não está? A gente pode conversar quando você chegar.

Meu plano era cumprimentar Kay com o beijo de sempre, tirar minha roupa do trabalho, beber água, cair na cama dela e dormir por uma eternidade.

— Que tal hoje à noite? Depois que eu dormir?

Silêncio. Silêncio extremamente irritado (sou especialista nos silêncios de Kay).

— Então você vai direto para a cama quando chegar.

Mordo a língua. Resisto à vontade de descrever minha semana em detalhes.

— Posso ficar acordada se você quiser.

— Não, não, você precisa dormir.

Óbvio que vou ficar acordada. É melhor aproveitar as piscadas sonecas até o ônibus chegar a Islington.

• • •

Recepção fria de Kay. Cometo o erro de mencionar Richie, o que faz a temperatura despencar ainda mais. Minha culpa, provavelmente. Não posso falar sobre ele sem ouvir A Discussão, como se ela apertasse o play toda vez que escutasse o nome de Richie. Enquanto ela prepara o "cantar" (combinação de café da manhã e jantar, perfeita tanto para os habitantes do dia quanto da noite), repito para mim mesma que deveria me lembrar de como A Discussão terminou. Que ela pediu desculpa.

— E então, vai me perguntar sobre os fins de semana?

Eu a encaro, demoro a responder. Às vezes é difícil conversar depois de uma noite longa. Abrir a boca para formar ideias compreensíveis é como erguer algo muito pesado, ou como um daqueles sonhos em que a gente precisa correr, mas nossas pernas estão se arrastando por algo espesso.

— Perguntar o quê?

Kay faz uma pausa, omeleteira na mão. Fica muito bonita à luz do sol de inverno que entra pela janela da cozinha.

— Sobre os fins de semana. Onde você planeja ficar quando a Soraya estiver no seu apartamento?

Ah. Entendi.

Teto para duas - Simone e SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora