Capítulo 04

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Simone

A conversa não saiu mesmo como o previsto. Kay ficou estranhamente irritada. Teria se incomodado com outra pessoa, além dela, dormindo na minha cama? Mas Kay nunca vem aqui. Odeia as paredes verde-escuras e os vizinhos idosos — entra no pacote de "você passa tempo demais com gente velha".

A gente sempre está na casa dela (paredes cinza, vizinhos jovens e descolados).A briga termina com um impasse chato. Ela quer que eu desista e cancele com a mulher, mas não vou voltar atrás. Foi a melhor ideia que tive para conseguir dinheiro fácil todo mês. Também poderia ganhar na loteria, mas isso não conta como planejamento financeiro. Não quero voltar a pedir trezentas e cinquenta libras emprestado. Foi Kay quem disse: não era bom para nosso relacionamento. Ela chegou a esse ponto, então... vai mudar de ideia.

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Noite vagarosa. Maya não conseguia dormir; jogamos damas. Ela balança os dedos sobre o tabuleiro como se estivesse lançando um feitiço antes de tocar em uma peça. Está fazendo jogos mentais, pelo visto — isso distrai a atenção do oponente da jogada seguinte. Onde uma menina de sete anos aprendeu a fazer jogos mentais? Pergunto.

— Você é muito ingênua, não é, Simone?

Ela pronuncia "ingênia". Provavelmente nunca disse isso em voz alta, só leu em um de seus livros.

— Sou uma mulher experiente. Obrigada, Maya!

Recebo um olhar condescendente.

— Tudo bem, Simone. Você só é legal demais. Aposto que as pessoas pisam em você como se fosse um capacho.

Ela ouviu isso em algum lugar, com certeza. Provavelmente do pai, que a visita a cada quinze dias, de terno cinza chique, trazendo doces ruins e o cheiro forte de fumaça de cigarro.

— Ser legal é uma coisa boa. A gente pode ser forte e legal.Não precisa ser uma coisa de cada vez.

Recebo outro olhar condescendente.

— Olha. É tipo... A Kay é forte, você é legal.

Ela abre as mãos, como se dissesse: é assim que o mundo funciona. Fico surpresa. Não percebi que ela sabia o nome da Kay.

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Richie liga bem na hora em que chego. Tenho que correr para atender o telefone fixo — sei que vai ser ele, sempre é — e bato a cabeça na lâmpada baixa da cozinha. Único defeito deste apartamento excelente. Esfrego a cabeça. Fecho os olhos. Ouço a voz de Richie com cuidado, atento a tremores e pistas de como ele realmente está, e escuto um Richie real, vivo, que ainda está bem e respirando.

— Me conte uma história boa.

Fecho os olhos com mais força. Não foi um bom fim de semana para ele, então. Fins de semana são ruins — eles ficam mais tempo encarcerados. Sei que está desanimado por causa do sotaque, tão peculiar para nós dois. Sempre um pouco de Londres, um pouco do Condado de Cork, fica mais irlandês quando ele está triste.

Conto sobre Maya. Suas habilidades nas damas. A acusação de "ingenialidade". Richie escuta.

— Ela vai morrer?

É difícil. As pessoas não percebem que não importa se ela vai morrer — cuidados paliativos não são apenas um lugar para onde as pessoas vão para partir lentamente. Tem mais gente que sobrevive do que morre no nosso setor. O importante é estar em um lugar confortável durante um período necessário e doloroso. Amenizar momentos ruins. Mas Maya... Talvez ela morra. Está muito doente. Linda, precoce e muito doente.

Teto para duas - Simone e SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora