O ano é de 1665, um português deixou um caderno cair aqui em nosso porão. O caderno é novo, as folhas estão quase inteirinhas e poucas palavras estão escritas aqui, no palácio onde eu trabalhava haviam alguns estrangeiros com essas mesmas gravuras em pergaminhos. Meu tio entende um pouco dessa língua, acho melhor perguntar para ele o que está escrito. Me levanto e vou em direção ao meu tio e digo:
- Bomani, o que tá escrito aqui? - eu entrego o caderno para ele.- Alika, onde você encontrou isso? Me dê aqui!
Ele analisa o conteúdo fazendo uma careta engraçada, sua resposta me surpreendeu:
- Está escrito horários e coisas como suprimentos. Mas são muito poucas as informações, se pararmos para contar eu diria que é durante os próximos 2 meses.Meu irmãozinho se aproxima da conversa perguntando com uma carinha de choro:
- Tio Bomani... Por quê estamos aqui? Esse lugar fede e me dá medo.... - Enam segura em minha mão direita e se esconde atrás de mim.É impossível não ignorar a situação em que estamos, apesar de não ser um daqueles navios enormes, é muito estranho ficar em um porão quente e apertado com este balançar enjoativo. Não consigo achar nenhum motivo que nos dê esperança do que nos espera é o melhor.
Sendo bem sincera, nem eu compreendo o motivo de estarmos aqui, Bomani diz que é para trabalho, mas eu escutei alguns homens portugueses dizendo que somos moedas (onde já se viu uma pessoa ser moeda? Quer dizer, eu tenho 12 anos! Pessoas mais velhas deveriam entender!). Eu me viro para Enam me abaixo olhando bem nos olhos dele e digo ainda de mãos dadas:
- Enam, sei que parece ruim, mas pelo menos estamos juntos. - Acaricio o rosto dele enxugando suavemente suas lágrimas.Bomani acrescenta:
- Daqui a pouco nós chegaremos num lugar diferente, se você olhar na fresta aqui do meu lado vai ver que tem um oceano muito grande! Quando você avistar alguma coisa parecida com as montanhas que tínhamos lá em casa você me avisa, tá bom? - Meu tio afaga os cabelos ondulados do meu irmão.Estranhamente Enam ficou animado com a ideia de ver as montanhas pela fresta e a cada momento ele perguntava se aquilo era as montanhas.
Em dúvida me virei para meu tio e perguntei o que eu poderia fazer com o caderno já que os homens lá em cima pareciam ter nojo de tocar no que a gente tocava. Ele me respondeu:
- Fique com você, anote tudo que achar interessante. Faça desse caderno simples, seu diário de bordo! Para no futuro ver seu progresso ou rir com as boas memórias que você colocará. - ele me entrega o caderno.Eu senti uma chama se ascender no meu coração quando ouvi essas palavras! Meus olhos brilharam como safiras recém polidas. Animada com a ideia, procurei alguma coisa que riscasse o suficiente para anotar as coisas do dia a dia. Encontrei pregos enferrujados, depois foram alguns resquícios de carvão e outras pedras coloridas de piçarras. Era necessário um título, seu só pensava em um:
**As crônicas de Alika**
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As crônicas de Alika
Historical FictionAlika, seu irmão e tio são levados em um navio negreiro no ano de 1665 para o Brasil. Ela precisa ser forte para realizar uma revolução e libertar todos os seus semelhantes.