Lembro que tudo que eu considerava bom estava desmoronando. Já acumulava muito dos horrores que sofri durante a vida, mas tirar de mim as pessoas que eu amo, eu não suportaria, jamais. Passei dias quieta, triste... A vida já não tinha mais brilho, pois tudo que eu tocava ou via, me lembrava dela. O barulho da louça sendo lavado, o sacudir de um pano, cada coisa dos meus dias só conseguia pensar como eu sentia sua falta. Não havia mais ninguém para compartilhar minhas caretas, agora só me restava suspirar de tristeza...
Assim que terminei o serviço, sentei no chão e coloquei minha mão no ladrilho vazio:
- Inês, eu sinto tanto sua falta... Não pude ver nem seu corpo. Eles te tiraram de nós e nem deram a chance de fazermos um enterro em respeito e homenagem, tomaram seu corpo e jogaram no mesmo lugar onde o corpo daqueles bastardos foram mortos pelas balas de Laurindo. Já se passaram três longos nascer do sol que mais me pareciam uma completa eternidade...Levantei e fui em direção ao lugar onde meu irmão descansava, olhei para sua expressão dolorosa. Ele não queria melhorar nem com a medicina angolana, claro, a maioria dos médicos foram dizimados por acusação de bruxaria, tudo que sabíamos era pouco do que se adivinhava do que talvez fosse feito. Sentei próximo a porta, esperando por um milagre...
Estava prestes a chorar de novo, quando escuto uma voz masculina familiar:
- Eu conheço você.Imediatamente minha expressão muda para confusa tirando as mãos da minha cara, o que me faz encarar o indivíduo que me chamava. Minhas bochechas coram quando eu vejo aqueles olhos verdes adentrando em minha alma, tanto que não consegui dizer nada. Ele não se incomodou com meu silêncio, fez questão de se sentar a uma distância segura do meu lado:
- Eu ainda tenho o tecido que você usou para enfaixar meus ferimentos. Nem acredito que te encontrei! Procurei você por quase todos os lugares e...Aquele homem era um sujeito de muitas palavras, eram tantas que só de lembrar as dores de cabeça me surgem. Respirei fundo, estava determinada a perguntar de que família ele veio:
- Quem és tu? - Com muita dificuldade saiu, estava muito nervosa e envergonhada.- Oh! - Ele se surpreende e começa a rir - Me chamo Sebastião, sou das Aldeias dos Indígenas situada no coração da floresta.
Fecho a minha cara, só de saber que qualquer estranho pudesse ter atirado em meu irmão me faz afastar mais de Sebastião. Ele percebe o sofrimento do tal e tenta arrumar a situação:
- O que está acontecendo com o homem? - Ele gesticula girando os braços em sinal de dúvida.- Ele foi acertado por uma flecha diferente das que eram vistas. Ele está assim quase quatro sóis poentes, estamos tentando nosso máximo, mas ele ainda continua com dor. Ao redor dele tem manchas avermelhadas como se fossem buracos dos quais causam muita dor se pressionado.
Sebastião coloca a mão sobre o próprio rosto e pensa um pouco antes de falar, com cuidado, uma pergunta é feita:
- Eu posso vê-lo? - Ele se levanta tentando se aproximar de lá.Não respondo nada, só pego uma garrafa de vidro vazia e escondo atrás de mim, caso ele tente algo contra a saúde e segurança do meu irmão. Não posso ter o luxo de confiar em mais ninguém.
- É uma flecha dos inimigos que nós enfrentamos - ele analisa a ferida.
- Foram os brancos que fizeram isso! - Veias saltam de raiva da minha mão enquanto eu levanto a garrafa para golpear a cabeça dele.
Ainda virado, Sebastião comenta:
- Aquela arma não serve para matar e sim torturar até a morte. Por sorte, meu povo tem o antídoto certo para expulsar o veneno de sapo.Imediatamente eu paro que estava fazendo, aquilo poderia salvar Enam. Deixo minhas mãos leves e escondo a garrafa atrás de mim, ele vira a cabeça ao meu lado olhando de cima para baixo. Acho que o homem entendeu meu gesto de desconfiança e logo endireitou-se permanecendo de costas:
- Eu não sou idiota como os brancos de sua fazenda, senhorita. Sua dor para com seu irmão é realmente lamentável, sugiro que confie em mim se quiser que eu te leve até o antídoto.
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As crônicas de Alika
Historical FictionAlika, seu irmão e tio são levados em um navio negreiro no ano de 1665 para o Brasil. Ela precisa ser forte para realizar uma revolução e libertar todos os seus semelhantes.