Capítulo cinco

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Com o resplandecer da lua podemos ter uma noção de onde estávamos indo. Lá na plantação perto dos estábulos eles sempre deixam uma tocha acesa para ficar de vigia.

Ao encostar na margem, coloquei meus braços em volta do meu irmão que estava gelado e tremendo. O sangramento parou por conta da água, mas aquela flecha tinha algo diferente... Não era drama, ele realmente estava passando muito mal, tossia e arrotava água que ainda restava no estômago dele.
- Aguenta firme, a gente já tá quase em casa - Eu também estava com frio, e meu corpo queria desmaiar.

Próximo dos estábulos, estava Bomani preocupado com a nossa situação. Quando ele nos avistou, veio correndo com mais três homens, eles tiraram meu irmão dos meus braços jogando em mim um cobertor repleto de remendos e rasgos. Eu não aguentava mais:
- Meu irmão... Ele tomou uma flechada, cuida dele, por favor - foram as minhas últimas palavras antes de desmaiar de exaustão.

***

Acordei com o relinchar de cavalos do meu lado, eu estava com um cobertor e envolvido em uma cadeira de balanço. Levantei cambaleando tentando recobrar minha consciência, apoiando nas paredes como suporte.
Com coragem, caminhei vagarosamente para fora. Movi minha cabeça para cima em direção ao horizonte e testemunhei o Sol castigando os trabalhadores honestos. Pude presumir que acordei depois da hora do almoço da família nobre. Bomani aparece por trás fazendo com que um susto leve seja demonstrado por mim:
- Ah! perdão tio - Ajeito minha postura e me preparo para perguntar como as coisas se sucederam.

- Senta aí, você ainda não tá recuperada do seu hematoma, aliás, tá enorme - Ele aponta com o dedo e me guia para sentar em um caixote.

- Meu irmão tá bem? - Aquele suspense estava me deixando desconfortável...

- Olha sobrinha, você não pode sair sozinha quando o Chefe da família estiver na propriedade...

- Era rápido, tio! Conheço todas as rotas desde pequena e o senhor sabe disso - Me levanto contestando a sua frase.

- Eu ainda não terminei! - Ele grita e me empurra.

Nunca vi Bomani tão furioso assim... Um nó na minha garganta estava se formando, fiquei quieta para ouvir o que tinha a dizer. Sua expressão era séria, sentou-se no caixote, entrelaçou os dedos e colocou na testa para cobrir seu rosto, percebi que a perna dele estava com aquele tique do qual poderia acontecer o pior.

- Todos nós estamos fazendo o possível, mas ele não melhora. Eu temo que...

- Cala boca! - Me exalto preparando para ir embora.

- Para de fugir, Alika! É sua culpa, seu irmão tá daquele jeito! - Ele me segurou com força pelo ombro.

- Minha culpa?! Eu fiz de tudo pra proteger meu irmão! Diferente de você que deixou tudo de ruim acontecer comigo! Quando eu mais precisei você me deixou na mão... Fiquei amarrada até o amanhecer! Meu couro cabeludo estava mais do que machucado, você nem sequer fez nada, não sabia nem onde o senhor estava.

- Eu não tenho o controle de tudo! Faço o que posso pra proteger vocês. Só que essas saídas que você faz acaba com todo nosso plano.

- Que plano?! Acordar e ser torturada o dia todo por um mísero prato de arroz?! Você não percebe que eu não aguento mais essa realidade?!

- E você acha que eu estou feliz com isso?! Vidas negras estão em jogo, Alika! Eu não posso simplesmente incendiar todo esse lugar.

- Mas eu posso!

- Você não me testa... Alika! Te proíbo de fazer isso.

- Me solta!

- Promete pra mim! Que não vai botar tudo abaixo! Não posso te perder! Já tivemos perdas mais que suficientes nesses tempos.

Por um segundo eu parei, virei na direção contrária e perguntei:
- Espera, perdas suficients? Como assim?

- Na noite que vocês sumiram, Laurindo veio pessoalmente fazer a contagem dos escravos durante o toque de recolher. Ele atirou em todas as garrafas vazias de cachaça que eu deixei para os senhores de engenho (a fim de ganhar tempo) e fez todos aqueles que estavam porres de peneira. Quando ele perguntou de dois escravos que faltavam, Inês se pronunciou...

Nenhum de nós estava aguentando aquele diálogo. As lágrimas eram inevitáveis.

- Não... - Segurar tudo aquilo calada era impossível.

- O pente da pistola travou, deixando-o mais nervoso. A última coisa que testemunhamos foi os últimos grunhidos de dor... Tudo que eu vi foi o facão enterrado no pescoço dela.

Entrei em completo estado de choque e não pude fazer nada para salvá-la.

Não aguentando mais aquela situação eu desabo no chão chorando como uma criança. Meu irmão doente... Inês morta... E meu tio completamente destruído.
Bomani amava Inês de todo o coração, não conseguia imaginar o quão horrível ele deveria estar se sentindo. O abraço do qual eu estava envolvida, fez compreender até onde a dor dele cabia, eu não era ela, mas naquele momento, ele me abraçou como se fosse...
Eu amava ver eles juntos, nunca entendi como um amor tão genuíno florescia em um lugar inóspito como onde estávamos. O futuro era incerto... A única coisa que tive certeza, foi que _os lírios nunca mais iriam florescer no jardim_.

As crônicas de AlikaOnde histórias criam vida. Descubra agora