Capítulo Sete

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Assim que passamos por mais algumas árvores avistei um lugar onde parecia uma fortaleza abandonada. Fiquei confusa e perguntei para o rapaz:
-  Por que estão abrigados em um Forte?

- Encontramos esse lugar quando estávamos guerreando contra os Portugueses e os nossos rivais.

- Vocês não moram em tribos?

- Sim. Na verdade, morávamos... - Ele diz com um pesar enorme.

Eles tomaram nosso território, destruíram parte de nossa cultura e levou muitas de nossas crianças como tributo por estarmos morando no território "deles". Quando negamos continuar aquele ciclo vicioso, eles incendiaram nosso lar... Não consegui fazer nada... Apenas observar o fogo se alimentando das minhas únicas lembranças boas que cultivei com a minha família... Eu e minha irmã fomos os únicos que escapamos. Eles nos disseram 'seja como for, não se esqueçam de cuidar bem um do outro, nós amamos vocês' duas pilastras caíram em cima deles e não conseguimos nos despedir. -  A voz dele havia mudado, eu podia sentir o coração dele pulsar de dor semelhante ao meu...

Ele limpou as lágrimas, respirou fundo e ficou sério, o semblante dele transbordava melancolia. Eu senti que deveria fazer algo a respeito, mas não sabia o quê.

Nós passamos pelo grande portão e entramos naquele forte. Vi alguns feridos se recuperando em um canto e outros em filas para consultar suas enfermidades aos curandeiros. Era como ele havia mencionado, não havia quase nenhuma criança presente entre os sobreviventes... Aquilo era horrível, há quanto tempo aquelas pessoas estavam nessa situação?

Sebastião me guiou até um lugar com mesa e um banco perto de uma fogueira, ele me entregou um cobertor e arrastou uma caixa fazendo de banco. Sentei olhando para ver qual era seu plano, o homem foi na direção da mesa, olhou para um lado e depois para o outro, parecia estar procurando algo. Quando finalmente encontrou, deu um sorriso para mim virando de costas como se estivesse fazendo algo que eu não pudesse ver. Assim que terminou, veio para perto de mim com calma, pude ver que trouxe consigo tintas corporais, estava muito curiosa para questionar, então apenas observei atenta. Ele tocou nas tintas com a ponta dos dedos e direcionou ao meu rosto, por um segundo ele hesitou. Mas eu respirei fundo, fechei os olhos e deixei seu toque deslizar pela minha pele, assim foi feito, eu senti a substância gelada pigmentando minha face, os dedos de Sebastião, não estava apenas tingindo minha pele, estava movimentando como os de um escultor profissional, eu era a obra prima dele ou melhor, sua musa. Quando ele terminou, me pediu para abrir os olhos e disse:
- Alika, fique aqui! Vou falar com o Cacique, não se preocupe, falarei muito bem de você. Essas pinturas que fiz no seu rosto dirão que você é uma aliada - Ele sorri, vira de costa e corre em direção às escadas.

***

Olhei para o lado e para o outro, estava bem deserto ( não incluindo os doentes). A lua já estava quase se pondo e não havia nenhum sinal do seu retorno, decidi caminhar um pouco observando o local, apreciando cada detalhe que compõe o cenário. A estrutura daquele forte era branca, feita de concreto, algumas fogueiras para se aquecer, tem dois andares e com escadas de madeira e portas deterioradas. Há algo além do forte... Parece estar acontecendo alguma coisa do outro lado.
Caminhei furtivamente me esgueirando entre os caixotes, coloquei meu rosto acima das caixas para observar de onde vinha o barulho de choro. Descobri que era um funeral...
Vi o corpo de um bebê sendo enterrado por um jovem, ele chorou, deixou flores e alguns pertences, o que me deixou curiosa foi um pequeno totem deixado ao lado dos pertences do bebê, inclusive, o dele parecia ser uma águia. Bomani me contava coisas parecidas com que esse povo vive, mas eu não lembro dele mencionar sobre tótens.

Uma senhora tocou no meu ombro, não pude evitar de me assustar, porém, eu disfarcei. Eu não entendia o que ela falava, mas sentia que ela estava tentando me explicar o que estava acontecendo, enquanto eu observava gentilmente a senhora idosa me entrega um lírio murcho... E apontou para o túmulo da criança, me aproximei e deixei ao lado dos objetos que deixavam lá em sua homenagem. Não segurei as lágrimas, aquele lírio murcho me lembrava a Inês... Abracei com força, com minhas lágrimas reguei as flores que residiam ao redor. Voltei para o lado da senhora, ela me abraçou e deu um tapinha nas minhas costas, ela puxou a minha mão me entregando algo delicado, pequeno e fechou minhas mãos. Ela pronunciou palavras das quais eu não entendia e sorriu para mim. Abri minhas mãos e vi um lindo pingente de onça pintada, é belíssimo, ornamentado em uma pedra preciosa da qual eu desconheço, o objeto é reluzente quando a luz da lua penetra. Tanto que fiquei brincando com esse fato até me cansar. Logo em seguida eu avisto Sebastião, ele parecia animado e me mostrou um frasco pequeno na mão dizendo:
- Alika! Eu consegui! Falei sobre você e todos querem te conhecer, falei que você iria ajudar todos nós e eles me deram o antídoto para seu irmão. Vamos antes do amanhecer, vem! Eu te levo - ele gesticula para eu segui-lo.

Ainda perturbada pelo pingente, aceitei sem pensar muito, estava feliz e agradecida pela retribuição, ficamos bem um com o outro, rimos o caminho todo, eu finalmente consegui um jeito de curar meu irmão. Mesmo que a minha vida fosse difícil, ter meu irmão ao meu lado era uma das coisas da qual não trocaria por nada, eu o amava muito. Sei que ele faria muito mais por mim se estivesse no meu lugar, mas estou fazendo o melhor que posso.

No meio do caminho, quase chegando no território de Laurindo, Sebastião me acompanhou até a porta, o rapaz sorriu e disse:
- Me avise se seu irmão melhorar, vou estar aguardando uma resposta, acho que você já sabe onde me encontrar.

Acho que ele está me provocando, entrei no jogo dele para ver até onde isso vai:
- Não sei ao certo, você vive se metendo em encrencas! - eu dou um peteleco no nariz dele e fiquei brincando com o meu cabelo.

- Então eu estarei no caos, esperando pela paz do seu coração. - seu olhar me hipnotiza de uma maneira tão peculiar.

- Não diga isso! Não se pode brincar com essas coisas  - eu desviei o olhar devagar fitando o chão com as bochechas vermelhas.

De repente, Sebastião estica a mão direita em minha direção, com o indicador e o polegar ele encosta suavemente no meu queixo direcionando meu rosto para perto dele. Nesse momento, fechei os olhos e soltei uma risada leve, ele também retribuiu com um sorriso caloroso ( meu Deus, que sorriso!). Virei de costas e segui meu caminho, no entanto, observei por cima do ombro para ver se o rapaz continuava, para minha surpresa, Sebastião ainda estava lá, encostado na porta sorrindo para mim, isso de algum modo era reconfortante... Acenei com a mão para ele uma última vez, esperando a reação dele que foi recíproca. Desse modo, olhei para frente caminhando confiante com os primeiros raios de Sol reluzindo as planícies daquele lugar.

As crônicas de AlikaOnde histórias criam vida. Descubra agora