Para mim, os raios de sol no meu rosto eram um sinal positivo. Como se o universo estivesse falando que meu irmão vai ser curado hoje e eu tenho a cura.
Fiz questão de não chamar atenção de nenhuma das autoridades, nem mesmo das outras pessoas que eu convivia, andei em direção a cozinha para fazer as atividades rotineiras. Enquanto eu fazia, comecei a pensar um pouco, já que não estava mais tão preocupada com a minha situação futura, sempre tive a dúvida de eles usarem escravos de cor de pele diferente... Por que nos usam semelhante á ferramentas até o último suspiro? Até as nossas últimas energias...
Mesmo que eu soubesse falar português, não consigo lembrar do que o padre disse, será que a resposta estava lá?
Ocasionalmente eles trocavam papéis com nossos nomes, como se o papel nos representasse e esse papel estivesse nas mãos deles, nós éramos de suas posses...
Mas e se Laurindo ainda guardar esses papéis? Será que se rasgar todos que estão à mercê deste lugar horrível, vão ser livres? Pensei o dia todo nisso...A manhã estava estranha com a mesma rotina de sempre. Até a chegada senhora Laurindo na cozinha:
- Atenção criadas! Eu quero essa cozinha, salão e panelas brilhando - Mirabel empina o nariz ordenando todas nós.Enquanto eu e as criadas caminhamos para as tarefas. Dona Mirabel volta o corpo dela para minha frente me encarando com um profundo desprezo, do qual tentei contornar para evitar qualquer tipo de confronto, mas a senhora não estava satisfeita. Sua reação foi puxar meu cabelo próximo o suficiente para sussurrar no meu ouvido:
- Você, rata imunda! Vai limpar todas as janelas nem que seja com sua língua! - Ela me empurra e sai gargalhando com a risada estridente característica dela.Me levantei, tirei a poeira da minha saia, respirei fundo e caminhei para pegar os materiais, indignada como pessoas tão podres conseguem tudo o que querem enquanto pessoas boas estão sofrendo às custas delas... Sempre abominei essas injustiças.
No entanto, eu tinha um plano, se realmente for entrar de cabeça, preciso analisar o meu inimigo. Eles acham que somos tão burros por ter aceitado todos os seus caprichos e torturas sem pestanejar, agora chegou a vez deles aceitarem nossos caprichos sem pestanejar, aqui se faz e aqui se paga.
Geralmente eles pedem para limpar as janelas pelo lado de fora, mas hoje será diferente, vou ir por dentro. Fui caminhando pelo batente da janela e limpei as janelas do primeiro andar, depois calculei onde estava o quarto da família eles devem ter chaves escondidas lá.
Assim que escalei a janela vi vários tipos de documentos e chaves rodeando a mesa, quando pisei naquela tábua houve um ranger tão forte que acordou e Isobel se assustando, tentei disfarçar que tinha tropeçado mas ela não teve piedade, me empurrou do batente antes mesmo do que eu pedisse desculpas como se eu não fosse nada. Vi minha vida passar diante dos meus olhos e percebi que eu não estava fazendo isso direito, não estava nem se quer vivendo.
Quando o meu corpo chegou no chão senti minhas costas vibrarem de dor, minha queda foi amortecida por arbustos e digo mais, foi terrível, tive muita dificuldade para levantar, as minhas costas estavam latejando enquanto estava recuperando forças para me erguer. No entanto, escutei e suspiros de choro bem baixinho, ainda deitada, olhei para o lado e para cima quase encostando minha testa no chão e vi escondida entre os arbustos uma moça sendo coberta pelas árvores e moitas. Lembro que quando a vi, senti uma enorme melancolia vindo dela mas que não era desesperadora, era comovente, como se sua alma falasse comigo sem necessidade de palavras. Ao amenizar do meu estado crítico, perguntei:
- Você está bem?
- Como você pode me perguntar algo assim? Não olhe para mim! Quase morta você estava, não sabia se te arrastava.Pensei por um momento, era impressão minha ou ela estava rimando?
- Eu estou bem, você parece a batida de que ponto comercial você veio?
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As crônicas de Alika
Historical FictionAlika, seu irmão e tio são levados em um navio negreiro no ano de 1665 para o Brasil. Ela precisa ser forte para realizar uma revolução e libertar todos os seus semelhantes.