Capítulo dois

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Assim que chegamos na casa daquele senhorio, fomos designados a cada trabalho.
A casa era enorme! Gigante e bem decorada!
Na casa do Grande fazendeiro havia muitos escravos ao redor de sua família, alguns lavavam seus pés e outras eram amas de leite. O barão era recebido e cumprimentado como um herói, aquilo era horrível! A minha única vontade se baseava em fugir de lá e voltar para casa.

Todos nós fomos levados para os fundos daquele casarão. Havia um homem que explicava o que íamos fazer e outros para empurrar e supervisionar quem fazia seu trabalho com afinco, aquele que não se comportasse ou questionasse as regras era bem recebido com balas no peito, açoites e punições no Pelourinho.

Nos primeiros dias, fui trabalhar na cozinha (cozinhava, servia, limpava), era muito difícil para falar a mesma língua que eles falavam. Me sentia como um peixe fora d'água, levei muitos açoites por não entender o que eles queriam dizer e tive que aprender da pior maneira possível. Não conseguia fazer amizades, pois tinha muita vergonha de olhar na cara das outras pessoas com medo delas me baterem ou de ver aquelas expressões de fúria e reprovação, meu coração palpitava quando as filhas do Dono da propriedade se aproximavam de mim. Elas jogavam bandejas e diziam que eu era um lixo e que elas eram superiores por causa da pele delas. Não acontecia só comigo, muitas meninas próximas ou superiores da minha idade eram alvos dessas três meninas maliciosas como o pai e desprezíveis como a mãe. Uma delas, (Dara) foi encontrada morta com uma corda no pescoço, ela foi espancada até a morte e fizeram parecer suicídio, nunca entendi o real motivo de descontarem tanto ódio num coração tão jovem e puro.

Quando completei 16 anos, consegui me adaptar melhor naquele lugar, mesmo sendo alvo das filhas do Grande Fazendeiro.

Mas houve um dia no qual eu nunca esqueci pelo resto da vida, foi uma noite de quase 19 horas, eu estava limpando a mesa após um banquete. Já estava na hora do toque de recolher, e muitas das mulheres que dividiam a cozinha comigo estavam se dirigindo para fora da casa para perto dos estábulos onde era lá que dormíamos. Achei que seria uma boa ideia se eu pegasse algo para comer do que havia sobrado, afinal, eram sobras! Ninguém quer sobras! Tive certeza de que não havia ninguém observando próximo e rapidamente guardei pedaços de arroz e carne no meu bolso sem que ninguém notasse. Por uma razão ao acaso, a primogênita pegou-me no ato. Ela veio em minha direção devagar como se eu fosse uma corça encurralada pelo caçador, chamou pelas suas irmãs bem baixinho dizendo a seguinte frase: "parece que temos ratos na cozinha...". Eu estava confiante de que chegaria até a porta, porque a última moça (Inês) deixou-a aberta para mim, não me atrevi a olhar para trás, então caminhei suavemente, meu plano era se virar e correr para a mata. Na hora que cheguei a porta, a do meio (Isobel) me acertou na lateral do meu joelho com o cabo de vassoura. Aquela lesão foi o suficiente para me desequilibrar e cair no chão. Eu não ia desistir facilmente, eu olhei para trás e elas vieram em minha direção, rastejei o quanto pude a fim de escapar das crueldades que elas faziam com todas as meninas que trabalhavam lá. Não foi o suficiente, meus esforços foram em vão... Elas me alcançaram, me colocaram de bruços, seguraram meus braços, pulsos, pernas e pés, amarraram com cordas e me puxaram pelo cabelo. Eu só sabia pedir por misericórdia, soluçava de tanto chorar, meu diafragma estava impossibilitado de me proporcionar gritos de socorro. Então aceitei o castigo, Isobel pegou uma tesoura e sussurrou em meu ouvido:
- Nenhuma escrava deve ter o cabelo maior que o nosso. - ela apontou a tesoura para mim enquanto puxava minhas mechas de cabelo.

Elas cortaram todo o meu cabelo até a raiz, em nenhum momento pensaram que já tinham feito o suficiente e me deixaram imobilizada com aquelas cordas até o sol raiar. Quem me resgatou foi a Inês, uma moça de idade que de vez em quando me ajudava com algumas coisas, ela não falava nenhuma palavra! Apenas rasgou um pedaço do pano que usava para cobrir seus cabelos que também eram machucados como o meu, para enxugar minhas lágrimas. Respirando fundo, pude escutar sua voz pela primeira vez:
- Você não está sozinha.

Eu fui envolta em um abraço que curou a maioria das feridas que eu sentia dentro de mim, não desejei sair daquele abraço nunca mais. Ela amarrou o lenço no meu cabelo a fim de que escondesse a maldade que fizeram contra mim e disse que a partir dali ela cuidaria de mim. Mal sabia eu que estava prestes a começar uma revolução

As crônicas de AlikaOnde histórias criam vida. Descubra agora