Capítulo 6: Ímã, grupo de estudos e caixa de surpresas

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Nicholas foi direto ao ponto no primeiro dia de volta à faculdade e pediu as anotações de Euijoo. Sabia que ninguém alí desceria do pedestal para ajudá-lo, portanto só lhe restava correr atrás de recursos cujo atuariam como alicerce em sua excruciante jornada de estudos solo. Anotações, então - ele chegou à conclusão - são um dos melhores tipos de recursos: após o compartilhamento de alguns documentos, ninguém mais é incomodado, seja quem as escreveu ou a quem elas foram emprestadas. Por esse motivo, Euijoo não imaginou que congelaria subitamente ao ouvir o simples pedido de Wang, pedido este que, por trás de sua simplicidade, ainda era bem intrigante. Ele havia pedido anotações de dois meses atrás! A princípio, Byun pensou que ele estava brincando, todavia assimilou a situação tão rapidamente que uma metáfora com relâmpagos poderia explicar a rapidez com qual seus julgamentos primordiais passaram, bastou olhar à sua volta e comparar seu colega com os demais. Seu corpo, há pouco congelado pela perplexidade, ganhou movimento outra vez, e ele concordou em emprestar suas anotações, embora possuísse outro plano em mente.

Recentemente, Euijoo e Fuma Murata criaram uma dupla de estudos, e toda segunda, terça e quinta se encontravam em uma biblioteca para estudar em conjunto. Euijoo esperou um momento de intervalo e privacidade para abordar Fuma e conversar a respeito. Fuma foi complacente e acolheu suas ideias sem relutar, o que levou Byun para o próximo passo, cujo foi executado no caminho de volta à pensão. Antes de abordar Nicholas, ele abriu bem as suas mãos em um formato de concha e juntou-as com uma palma abafada, denunciando que estava prestes a tratar e
de um assunto o qual se recusa ou se aceita.
- Conhece a Biblioteca Murasaki Shikibu?
- Não - respondeu sincero.
- Oh - murmurou Euijoo, surpreso, pois esperava receber a resposta contrária. Ele continuou a falácia como se sua expectativa não tivesse sido quebrada: - Eu e Fuma estudamos lá três dias por semana. Gostaríamos que fosse conosco hoje e, se gostar, que vá sempre que quiser.
Nicholas não esperava convites semelhantes; seus olhos cintilaram como se ele estivesse diante de um baú cheio de moedas de ouro que por acaso surgiu à sua frente enquanto cavava em busca de meros carvões.
- Seu amigo concordou com isso? - questionou, se referindo a Fuma.
Euijoo afirmou. Em meio ao ouro havia uma bota velha e fétida, cujo guardava um bilhetinho grudado à ela. Nele estava escrito: "As moedas só poderão ser levadas se a bota for igualmente aceita". Essa bota era Fuma, ou talvez só a menção de seu nome. Nicholas sabia que não estava em posição de recusar uma oportunidade de alcançar o resto da turma sem se submeter a uma jornada solitária e cheia de espinhos pelo caminho, e mesmo que estivesse, ele não possuía motivos para que o fizesse. Euijoo era agradável e naturalmente tolerável, e as coisas poderiam dar certo com Murata, bastava que os dois se suportassem na medida necessária.

Horas depois de Nicholas ter aceitado o convite, ele e Euijoo saíram em direção à parte agitada de Asahikawa. O horário dos encontros era às seis e quarenta da tarde - conveniente para todos -, bons minutos depois do expediente de meio período de Fuma acabar e tempo o suficiente para que ele voltasse para casa, comesse e banhasse.
Os garotos da pensão chegaram na biblioteca às seis e trinta e cinco. Excluindo o térreo, o prédio tinha um andar e era ladeado por árvores de folhas claras, algumas tomadas por botões de flores emergentes na recém chegada primavera, e seu interior brilhava intensamente devido às lâmpadas brancas. Eles permaneceram no térreo e entraram em uma sala com um horizonte distante, cheia de mesas, estantes e pessoas intimidadoramente quietas. Euijoo guiou Nicholas até uma mesa distante e extensa, adjacente à parede tomada por grandes janelas de vidro da entrada ao final, cujo davam vista para as ruas, os bancos de tábuas e os troncos das árvores. Ambos sentaram-se ao lado da janela, um de frente para o outro.
Nicholas reparou em seu arredor. O chão era de porcelanato cor cinza-elefante com pontinhos pretos agrupados e brilhava como mármore, refletindo categoricamente as lâmpadas compridas; as estantes, abarrotadas de livros amarelados, eram de carvalho e passadas a verniz, e as mesas eram de madeira clara, não condizente com a cor da madeira das estantes.
Nicholas apoiou um dos cotovelos na mesa e por sequência o queixo em sua mão. Olhou para fora.
- Eu não conhecia esse lugar - comentou.
Euijoo também olhou para fora.
- É uma vista muito bonita - observou.
Nicholas parou de olhar para fora, mas Euijoo continuou, e Nicholas começou a olhar para ele. Mais alguns segundos e Euijoo também parou de olhar para fora e o seu rosto voltou a ser iluminado pela luz fria da tela do notebook. Nicholas não queria, mas acabou devaneando em seu rosto iluminado: um pouquinho em suas pupilas, que refletiam o retângulo da interface; um pouquinho na pele do rosto, na melanina, até devanear em seu cabelo, que parecia ter a consistência de um punhado de algodão. Sua outra mão, que estava sob a mesa, abriu-se sozinha, como se tivesse vida própria, e seus dedos se afastaram um dos outros, se esticaram e então se dobraram levemente. Era quase como se ele estivesse querendo tocar o cabelo de Euijoo. Estranhando a si mesmo, ele fechou a mão em um punho e abaixou o olhar nervosamente. Fuma chegou em seguida, causando um inesperado efeito de alívio.
A vida é engraçada: de repente, ele se sentia tranquilo com a presença de Murata e esquisito com a presença Euijoo.

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