Capítulo 7: Abalo sísmico e Uno

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   Na manhã de sexta-feira, Nicholas constatou o quão havia distorcido os acontecimentos da última noite. Não demorou para que ele associasse sua reação exagerada com seu carecer de amizades. Euijoo e Fuma nutriam uma relação franca de amizade há muito tempo, possivelmente abarcando fotos antigas, memórias nostálgicas e segredos que a mais ninguém confiariam. Como ele poderia estar familiarizado, e portanto achar comum, algo com o qual nunca conviveu tão próximo antes, como demonstração de afeto entre amigos? Ele reafirmou sua teoria no entardecer de sexta, quando saiu para tirar um xerox de última hora e viu um trio ébrio de amigos vestidos com roupas sociais, cambaleando lado a lado com seus braços entrelaçados como se tentassem manter uns aos outros de pé, embora sequer conseguiam manter a si mesmos. Não havia escaramuça, simplesmente gritos destoados que insultavam o chefe da equipe e tropeços, seguidos de uma mão estendida e o reerguer de um bêbado que cairia novamente em poucos minutos.
   Nicholas os assistiu com fascínio, tentando se imaginar reproduzindo os mesmos atos, desde as bochechas vermelhas de álcool ao toque físico exagerado, mas falhava a cada poucos segundos, e nem mesmo a figura de Yudai, que repentinamente veio à sua cabeça para tentar preencher os rostos borrados dos figurantes que o auxiliavam em sua fantasia, conseguiu levá-lo a uma visualização de sucesso. O amargor que surgiu no fundo da sua língua era testemunha de que seu déficit de visualização não tinha origem em sentimentos de repulsa, mas no desejo pela sensação de pertencimento a um grupo sem laços sanguíneos.

  Arranjou portanto, para o surto que fomentou na última noite, uma explicação coerente: há sempre surpresa em algo que se vê em sua forma mais genuína pela primeira vez. Assim que mitigou sua preocupação sobre o relacionamento de Byun e Murata e sobre sua reação exagerada, outra preocupação relacionada à noite de quinta o causou tormento na manhã de sábado. Havia ele, em seu estado mental mais pleno, cantado Euijoo?
   Euijoo estava no quarto, e pensar sobre esse assunto em sua companhia era tão estranho quanto apertar a mão de alguém sabendo que usou aquela mão para tirar um pedaço de frango dos dentes. Nicholas apanhou uma toalha de banho e foi pensar sob o cair contínuo da água morna. A primeira declaração que fez para si mesmo foi que ele não o cantou e que só disse a primeira coisa que lhe veio à cabeça, mas em seguida perguntou-se a respeito da desculpa dada depois do ocorrido, a mentira sobre um colega com pais arquitetos, e compreendeu que mentiu por estar nervoso. Se perguntou, ainda, se teria mentido caso a reação de Euijoo tivesse sido diferente, como algo mais descontraído e amistoso, todavia resolveu deixar as hipóteses de fora da discussão. Seu raciocínio foi interrompido por uma pequena espuma de xampu que se arrastou até seu olho, o obrigando a lavá-lo com água corrente até que o ardor passasse. Retomou: “Por que a primeira coisa que veio à minha cabeça se pareceu tanto uma cantada?”, questionou. Ele reformulou a pergunta poucos segundos depois para: “Por que a primeira coisa que veio à minha cabeça foi uma cantada?”, pois ele se lembrou dos sentimentos incandescentes e puros que o tomaram do peito à cabeça ao ouvir o comentário de Euijoo sobre alicerces, e da resposta imediatamente formulada, baseada nesses sentimentos e também em uma intenção primitiva que nunca sentiu antes — algo como uma tentativa de sedução animalesca e instintiva, pois não havia sido racional —, que afirmavam o flerte.

  Ele encarou os pequenos azulejos beges das paredes, onde algumas gotas formadas pelo acúmulo de vapor escorriam lentamente em direção ao chão, por vezes mudando de rumo ao se juntar com outra gota que se encontrava mais ao lado, e tomou uma decisão rápida, por isso mal pensada, de ser transparente consigo mesmo, e admitiu em seus pensamentos que cantou Euijoo, pois do contrário não teria se incomodado em ir à sala de banho só para pensar sobre isso. “Só estou inquieto…”, acrescentou, “...dessa forma porque fiz algo que não é do meu feitio”. O resultado de sua transparência foi a busca por alento profundo, como se ao ser honesto consigo mesmo tivesse colocado um peso sobre suas costas ao invés de tê-lo tirado, e grande parte desse peso vinha do arrependimento de ter escolhido ser honesto (porque existiam outros fatores com suas próprias cargas nessa discussão, mas para o peso desses fatores ter sido notado, fundamentalmente, foi preciso admiti-los no ato de ser honesto).
  Apesar dos pesares, admitir suas atitudes foi imprescindível para que conseguisse uma conclusão com um nível de satisfação equivalente à conclusão sobre sua reação exagerada às atitudes de Fuma. A explicação era que aqueles sentimentos eram frutos de gratidão, posto que Euijoo, ainda que estivesse ocupado com os estudos e que não fosse obrigado a fazer nada que não quisesse ou tivesse a possibilidade de atrapalhá-lo, foi eficaz em perceber as deficiências de sua volta em meio ao curso e em oferecer ajuda chamando-o para um grupo de estudos.
  Ele fechou a válvula do chuveiro com uma excelente explicação fraternal para os seus sentimentos repentinos: tudo não passava de gratidão, irmandade e um senso de aproximação motivado pelos dois sentimentos anteriormente citados.

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⏰ Última atualização: Nov 01 ⏰

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