capítulo 4

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"A cada minuto e a cada hora, eu sinto ainda mais saudades de você.

A cada tropeço e a cada tiro dado, eu preciso mais de você." Good Grief, Bastille.

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Travar uma guerra para sair de casa nunca foi algo do meu feitio.

Sempre fui extrovertida e apaixonada por passeios, acredito que já devo ter rondado cada canto dessa cidade nos meus vinte e quatro anos, e confesso que é triste sentir-me desanimada por não querer ver a luz do dia pelos próximos meses.

Mas agora, infelizmente, eu preciso voltar para a casa.

Para falar a verdade, comprei o meu apartamento mais para os ratos e baratas que vivem lá do que para mim mesma, pois eu vivo a maior parte do meu tempo na casa dos meus pais, tanto por eu estar perto caso aconteça algo, quanto porque Rebecca morava há apenas duas casas da minha.

Eu nunca tive coragem de tirar os meus mobiliários da residência dos meus pais, pois é como uma lembrança da minha infância. As paredes azuis já descascando-se pelo tempo, os riscos que fiz a lápis de cores quando era pequena enfeitando cada canto rebocado do quarto, 05 brinquedos que ainda tenho guardados... Tudo ainda está lá, intocado, como o meu memorial de lembranças particular.

Já fazem quatro dias que ocorreu o velório da minha namorada, mas apenas hoje eu tive coragem de passar pela porta de casa e encontrar o miserável mundo. Não o meu mundo, mas o mundo de todos, onde ocorre injustiças que nunca serão pagas, trocas de palavras que podem mudar a vida de uma pessoa em questão de segundos, ações sem voltas, corações retalhados, violência e injurias..

Esse é o mundo de todos. Um mundo onde não há lei, e eu confesso que preferiria muito mais o meu mundo antigo. Aquele que foi tirado de mim há cinco dias em um banheiro, entre quatro paredes.

Aquele era o meu verdadeiro mundo.

Lá, eu sentia que existia justiça, cumplicidade, felicidade. Neste mundo não havia tristeza, e se houvesse, havia uma poção chamada amor, que era capaz de levar para o mais longe possivel todo o sentimento cortante e interminável que o ser humano sempre tende a ter: O da angústia.

Esse mundo era florido, onde animais de diferentes espécies habitavam o mesmo ambiente sem resquicio de qualquer violência. Neste mundo, as águas dos rios eram cristalinas, o sol brilhava e a lua nos amava. O céu era azul, azul como a camiseta favorita dela. Azul como o desenho monocromático que ela pintou de nós duas. Azul como as águas do mar, aquela que ela se banhava com minha familia todos os verões. Azul como o seu sorriso, que me trazia conforto e paz.

Azul como o seu pulmão, que agora transmuta de roxo para um marrom, apodrecendo debaixo de uma lápide colocada pelas mãos erradas.

Isso não é certo. Não deveria ser assim.

- Até quando você vai ficar me seguindo? - Pergunto quando já estamos caminhando pela esquina de casa. Evito olhar para a casa bege onde Becky morava desde pequena, pois sempre que passo na frente, tenho vontade de entrar lá e cometer um massacre com os dois residentes daquela maldita construção

E eu não brinco quando digo isso.

Talvez não deva ser saudável, mas estou surpresa ao ver que os meus pais ao menos estão revoltados com toda a encenação que a Heide e Seng estão fazendo: Fingindo se preocuparem com Rebecca já morta, enquanto ela está debaixo da terra sem poder ouvir ou perdoar as lamúrías de ninguém. Se tivessem feito isso enquanto viva, pelo menos a sua mãe, tenho certeza que muita coisa teria sido evitada ao extremo.

O céu ainda está azul // freenbecky Onde histórias criam vida. Descubra agora