ㅡ Só dorme com o ventilador ligado, mesmo estando um frio do carai. ㅡ riu, respirando profundamente. ㅡ Podemos ficar deitados esperando a luz voltar... Sei que se tivesse voltado, você nem taria aqui comigo.
Não havia porque mentir, ainda mais quando estava tão... Leve pelo vinho que me embalava num sono veloz e incrivelmente turvo.
ㅡ Sim.
ㅡ Deixa eu sentir você, só por hoje, então.
Ele me guiou até a cama. Coloquei o joelho e depois me sentei na beirada. Victor deu a volta e puxou o grosso lençol branco para cima, se enfiando dentro dele. Deitou a cabeça no travesseiro e encarou o teto escuro do quarto. Era possível ouvir o gotejar da chuva se enfraquecendo, as árvores da floresta atrás da casa balançando e os grilos e sapos coaxando. Permaneci sentado, escorei as costas na cabeceira da cama e me neguei a forte vontade de me abrigar nos braços de Victor, sob o lençol.
ㅡ Não posso fazer isso com você, Tinho.
Respirei.
ㅡ Eu quero...
Sorri, não havia felicidade em meu peito em ouvi-lo baixinho, ressoando enquanto via o brilho dos seus olhos, sem ter a certeza de que aquilo era felicidade, ou as lágrimas se formando, em ambas as situações meu coração se arrochava por de mais.
ㅡ Sei que quer, mas pelo que já senti, tô negando.
Vi a linha das sobrancelhas claras se erguerem e se unirem.
ㅡ Mão sente mais nada?
ㅡ Nada. ㅡ Não precisei pensar nem mentir.
Continuamos a falar um pouco mais sobre como a construção da ponte sobre o rio Iracema tinha ficado pronto em tão pouco tempo, por algum milagre. Victor acabou me contando que trabalhou durante um ano inteiro na construção, como servente, ou era outro nome? O vinho realmente tinha me enlaçado de jeito.
Acabei rendendo ao meu desejo e ao capricho de Tinho, me enfiando debaixo dos lençóis, até porque a brisa gelada da chuva estava entrando de alguma forma. Me abriguei no calor das cobertas e... Me aconcheguei em Tinho.
ㅡ E-eu posso... A-abraçar você.
Revirei os olhos e suspirei frustrado.
ㅡ Só porquê tô tremendo igual vara verde.
Não precisava olhar para a cara de tacho de Victor para saber que o maldito estava com um sorriso de orelha a orelha na cara. Permaneci parado enquanto ele passou o braço direito sobre mim e se aproximou... Muito. Senti o peito firme dele encostar na minha costa por completo. Encolhi os pés e ele fez o mesmo, estávamos coladinhos.
ㅡ Só faltou a gente assistir Scooby-Doo.
ㅡ Calado!
Estava claro e muito quente. Sentia as gotículas de suor escorrendo pelas minhas pernas entrelaçadas a outras... Abri os olhos no mesmo segundo, a cabeça doía e logo lembrei dos litros de vinho, e de quem estava na minha cama, ou melhor, na cama de quem eu estava. A visão de Victor Bandeira dormindo ao meu lado era, no mínimo nostálgica, e trágica, para falar bem francamente. A pele tão clara e os cabelos loiros escuros e lisos eram tão bonitos quanto as partículas de poeira que dançavam sobre nós dois no raio de sol que invadia o quarto através da goteira entre as telhas.
Não segurei meu ímpeto a tempo, desenhei a curvatura das sobrancelhas com as pontas dos meus dedos, a diferença entre minha pele escura contra a dele. Sentia o seu ar fluindo continuamente.
O braço, muito mais musculoso do que me recordava, sem ser estranho... apenas trabalhado, estava deposto sobre minha barriga. Segurando em seu pulso com delicadeza, levantei e a coloquei sobre o colchão com muito cuidado. Puxei as pernas entre as dele e...
ㅡ Fugindo mais uma vez? ㅡ Os olhos verdes, agora mais escuros que nunca se abriram para mim. A mão agarrou meu braço e me pulsou com aspereza para o colchão. ㅡ Pensei que já tivéssemos passado dessa fase.
ㅡ Eu preciso ir.
ㅡ Claro que não. ㅡ Sorriu sem mostrar os dentes. Sinal de uma ideia mirabolante daquelas de cair o cu da bunda. ㅡ Minha mãe tá na casa da tia Rita, o idiota do meu primo levou um acidente com o namorado.
ㅡ Isso devia ser bom? ㅡ Uni as sobrancelhas, segurando o riso cômico. ㅡ Eu preciso arrumar minhas malas, garoto.
ㅡ Eu sou mais velho.
ㅡ Então aja como tal! ㅡ Bati em seu peito. Ele arfou e depois riu da minha força quase inexistente. ㅡ Eu tenho responsabilidades, e nenhuma delas é ficar admirando a beleza do senhor mais velho.
Levei dois segundos para revisar tudo o que falei, porque a cara que Victor fez, parecia que eu tinha me declarado com uma serenata bem debaixo da sua sacada. Era como se não acreditasse em algo que eu tinha dito em uma risada tão espontânea, ainda que debochada.
ㅡ Me acha bonito?
ㅡ Só escutou isso? ㅡ Rebati com outra pergunta, porque era assim que eu costumava fugir de suas perguntas no passado.
ㅡ Então porque... Você age como se eu fosse um zé ruela?
Três perguntas seguidas, se eu fizesse mais uma sabia que ele iria me colocar ainda mais contra a parede, até que arrancasse cada mísera verdade que quisesse, sem nem mesmo fazer força. Era questão de inteligência, eu o daria uma resposta, enquanto escondia as mais... Comprometedoras, por assim dizer.
ㅡ Estamos em momentos diferentes em nossas vidas, Tinho. Só isso!
ㅡ E o que merda isso diz sobre nós?
Mais uma pergunta.
ㅡ Que não vai acontecer.
Uma resposta.
ㅡ Pensei que depois...
ㅡ Olha, muito obrigado pela noite e pelo... Calor, mas eu realmente preciso resolver algumas coisas do trabalho. Não posso ficar mais.
Me levantei rapidamente, me livrei de seu agarre sem que ele notasse e sai caminhando às pressas. Victor veio atrás de mim, me chamando e eu segui o ignorando completamente.
ㅡ Bom dia, Valentina. ㅡ Cumprimentei de cabeça baixa a garota.
ㅡ Bom dia... ㅡ Ela sussurrou de volta.
Atravessei a soleira da porta de metal que dava acesso ao jardim da frente da casa dos Bandeiras e segui atravessando a rua, indo para a casa dos meus pais. Tinha deixado a porta apenas encostada, a janelinha aberta. Entrei em casa, e a julgar pela bagunça, a Pinscher de mainha tinha se soltado da coleira. Santo Deus.
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Desastre Natalino | COMPLETO
Historia CortaBreno Andrelino volta para sua cidade natal em dezembro, para que pudesse descansar um pouco e a fim de rever seus pais nas festas de fim de ano. O que Breno não contava, era que Victor Bandeira, seu primeiro e em muito tempo, único amor também esta...