Capítulo 05 - Coma tudo.

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Victor Bandeira

Estava voltando do serviço, era tarde da noite, o relógio estava prestes a virar 00:00AM e eu estranhei quando estacionei a moto em frente de casa, que também significava estacionar em frente a casa de Breno, e lá estava ele.

ㅡ Não devia tá aqui fora a essa hora. ㅡ Falei, tirando o capacete da cabeça. Estava um pouco suado, não por conta do calor ambiente, mas de onde eu passo a noite trabalhando. ㅡ O motoqueiro da ronda não passa mais por essa rua.

Breno permaneceu em silêncio. Ele estava sentado em uma cadeira de balanço que ficava pendurada na linha de madeira do teto da casa dele. Não iria falar comigo depois... Daquilo. Desci da moto e a coloquei para dentro, empurrando. Voltei dez minutos depois, com a cara lavada e um saco marrom. Pela cara de cu de Breno, ele pensou que eu tinha ido dormir, mas não mesmo.

ㅡ Antes de me mandar ir embora, só... Prova, tá bom?

O arquear de sobrancelhas mortal e os olhos vazios e furiosos como uma tempestade deixaram minhas pernas igual vara verde. Ele pegou o saco de minha mão e abriu, tirando de dentro uma esfirra quentinha de fran-bacon. O olhar de Breno mudou rapidamente, ainda mais quando vasculhou o saco notou as duas outras esfirras e muita maionese-verde em saquinhos de din-din.

ㅡ Quanto devo?

O sorriso satisfeito que eu estava ostentando sumiu em segundos.

ㅡ Um beijo.

ㅡ Falo em dinheiro, Victor.

ㅡ Nenhum centavo, então. ㅡ Falei firme, sorrindo como um palhaço, porque no fim das contas é o que sou, por correr atrás de alguém que não dá a mínima para mim, e namora. ㅡ Posso me sentar ou não pode?

Ele suspirou.

ㅡ Senta logo, garoto.

Me sentei no batente da calçada e observei Breno comer a esfirra que eu mesmo preparei. Desculpa Valentina, mas você já comeu muitas esfirras, essas são só para meu Breno comer. Ele comia as esfirras como se fosse a melhor comida do mundo, não sou presunçoso quando digo que é a melhor da cidade. Era meu ganha pão.

Breno Andrelino

Terminei de comer as esfirras que estavam ótimas. Não tinha comido nada que chegasse perto dessa gostosura em São Paulo, isso tinha gosto de paraíso. Meu Deus, eu comeria uma pizza inteirinha dessa lanchonete.

ㅡ Obrigado. ㅡ Disse timidamente, depois de dar uma de Shrek e comer as massas recheadas como de minha vida dependesse disso. ㅡ Onde você comprou essas maravilhas?

ㅡ Eu que fiz.

Victor Bandeira sempre mostrou ter dotes culinários, desde quando fazia diversos bolos quando ainda era adolescente. Eu sempre me senti encantado pela forma como ele ficava lindo com um avental azul claro, sem camisa, os braços finos e o peitoral liso e pálio repleto de pintinhas e as orelhas grandes. Eu era... Apaixonado por Victor Bandeira de uma forma que não era capaz de descrever. O que me deixa assustado é justamente isso, o "era" do "é".

ㅡ Estavam ótimas. ㅡ me contive a comentar, ainda sorrindo com os lábios comprimidos. Via os olhos de Tinho brilharem intensamente.

ㅡ Espera até provar da pizza! É a minha obra prima.

ㅡ Vou esperar ansioso por isso. ㅡ Sorri. Balancei a cadeira de madeira e pendurei os pés, estava um pouco escuro e tinha medo de caranguejeira. ㅡ Talvez eu passe pela lanchonete um dia desses.

ㅡ Pode pedir qualquer coisa na minha conta, Breno.

ㅡ Ai, Tinho... ㅡ Contive a risada que ousei deixar escapar, porque talvez Victor se ofendesse ao interpretar erroneamente. ㅡ Não precisa se preocupar com isso! Deixa que eu pago a minha conta, tá bom?

ㅡ Tá. ㅡ murmurou me olhando de esgueira. ㅡ E o trampo lá, os B.O que tu precisava resolver urgente, deu certo? Fiquei meio cabreiro de te prejudicar sem nem sacar, sabe?

ㅡ Não precisava, mas valeu pela preocupação, Tinho. ㅡ Sorri fraco. Eu estava... Me sentindo de uma forma tão, leve, descontraída, confortável, Tinho era tão... Para mim, que chegava a me assustar. ㅡ Era só coisa boba, não precisa esquentar a cuca. Um cliente se atrapalhou e me ligou pedindo uma mentoria, eu não ia atender ao pedido, mas a grana era boa e eu acabei cedendo. O que posso fazer? Cupado. ㅡ Ri, levantando as mãos para cima, completamente rendido.

ㅡ Mas tá certo, Breno! ㅡ Encorajou Victor com um tom de voz parecido com o que meus avós falavam comigo sempre que me instigavam a estudar sempre. ㅡ Tem mesmo que correr atrás do teu pra conseguir tuas coisinhas, tá ligado? Eu consegui comprar a minha notinha assim, ralando em dois empregos, quando terminei de pagar fiquei no que mais me sentia bem, saca? É questão de ter mente calma e acreditar sempre no progresso.

Eu não podia dizer a Tinho que minha vida estava... Completamente monótona e sem graça porque dinheiro era a última das minhas preocupações, bens materiais piorou. Com dezenove eu já tinha dado entrada em dois apartamentos no centro de São Paulo e aos vinte eu já tinha o carro do ano só por conta de um único trabalho. Isso tudo sem contar nas poupanças para as faculdades dos meus sobrinhos, a aposentadoria dos meus pais que o governo nunca deu a eles... Eu estava em um estado de letargia tão imensa que dinheiro não fazia porra de diferença nenhuma.

ㅡ Você tem razão, Tinho.

ㅡ Mas falando sério, com o que você trabalha?

A melhor mentira é sem dúvidas aquela que tem algum fundo de verdade. Eu sabia que dizer a Victor como eu era, sem ser presunçoso, extremamente bem sucedido tendo em vista o lugar onde eu morei e onde ele mora, ele se sentiria inferiorizado. Victor Bandeira sempre se menosprezava, e eu não daria essa munição às paranóias de sua cabeça.

ㅡ Sou estagiário no Itaú.

ㅡ Nossa que daora! ㅡ Os olhinhos brilharam. ㅡ Deve ser maior responsa, vai fala aí!

Não era não. Fui estagiário por cinco meses e depois fui em busca do meu, depois de passar por uma má gestão que me proporcionou um ano inteiro de terapia.

ㅡ É, é sim. ㅡ Meu sorriso fraquejou. Não queria mentir para Tinho. ㅡ Mas nada que se compare a mexer com massas!

ㅡ Ah, assim você me deixa sem graça.

ㅡ Que nada bobo!

Desastre Natalino | COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora