- Parte II -

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A noite seguiu tranquilamente para todos, exceto para Lorina, que interrompia o seu sono para ficar em alerta, e qualquer ruído era suficiente para fazê-la sentar na cama de couro e olhar para as paredes buscando a origem do barulho. Quase sempre se tratava de ratos.

Por outro lado, os filhos dormiam como bebês desmamados, ambos deitados em um grande leito no chão, forrado por couro de vorgo e com travesseiros de plumas de ganso, tudo adquirido através dos viajantes que comercializavam por aquelas terras, eles sempre traziam coisas essenciais para os aldeões.

Na verdade, os viajantes poderiam ser considerados como um meio de sobrevivência para todos, já que o sustento obtido por metade dos moradores no porto não era capaz de sustentar as necessidades de todas as famílias. Sim, porque metade foram retirados para erguerem a muralha ao redor da vila, cujo motivo até então não estava claro. Muitos questionavam as tirênias de forma agressiva, ou até mesmo gentil, mas elas nada diziam, e também evitavam chamá-los de escravos, pois diziam que todo o seu sofrimento iria acabar assim que o muro estivesse pronto. Alguns tomavam aquilo como verdade na esperança de crer num futuro melhor, já outros as consideravam traiçoeiras demais para serem dignas de confiança.

No dia seguinte, muitas senhoras puderam se alegrar, pois dois viajantes chegaram na vila para fazerem seus negócios, ambos em suas próprias charretes.

Nesse horário do dia, Lorina fazia uma das tarefas cotidianas, foi buscar cereais na casa de Evilana para encher sua despensa, a tal mulher era responsável por armazenar os grãos em sua casa, tendo em vista que seu marido possuía grande parte da terra plantada nos arredores da vila. No caminho que percorria de volta para casa, trazia um vaso de barro nas mãos, grande e trabalhado, fechado por uma tampa e cheio de grãos.

— Sua dispensa ainda está cheia, Lorina? — Alenina perguntou gentilmente, a vizinha da casa ao lado, cuja simpatia dos meninos era escassa. Talvez porque seus filhos eram muito agressivos e gostavam de zombar de Liandro e Nalan por serem mais baixos e magros.

— Temos batatas ainda, ervilhas e cebolas, tudo guardado há umas duas semanas.

— A minha também está por um triz. Meus meninos passaram a comer mais depois que cresceram, de um ano para cá, eu diria. Comem, comem e não enchem. Antes era uma tigela nas refeições, agora são duas ou três, só não comem mais porque matariam eu e Rober de fome.

— Hunf — Lorina suspirou ao imaginar a cena, o que poderia ser considerada catastrófica para qualquer morador nas redondezas por causa da escassez. — Espero que os meus não fiquem assim. Sem meu marido já passamos dificuldades, com uma boca a mais as coisas ficariam piores, já basta o tanto que cada um de nós comemos.

— Ah, não diga isso. Morbelo era um homem forte, trabalhador, traria mais sustento para casa, para suprir o que ele viesse a comer.

— É, isso é verdade — Lorina concordou, recordando-se de seu falecido esposo. — Lembro que ele costumava jantar lá pelos portos mesmo, para que não faltasse a comida de casa para os meninos quando eles eram pequenos.

— Nem consigo imaginar o que seria de mim se Rober morresse, já me canso pelo trabalho que faço, quem dirá trabalhar mais.

— Posso dizer que a única diferença é que Nalan e Liandro assumiram as tarefas dele. Não tem mais tempo para brincadeiras ou caminhadas pela noite com os outros rapazes, agora é só trabalho e casa.

— Mas é assim para todos agora, Lorina. Quem vai ser idiota o bastante para ir brincar com essas mulheres por perto? Rezo todo dia para que Vilmor as queime no fogo eterno.

Mesmo que Vilmor tenha ouvido as súplicas, ele não parecia disposto a atendê-las, pois as tirênias seguiam exercendo sua opressão pelo vilarejo dia após dia. A caminhada em que puderam dialogar livremente era uma das poucas oportunidades em que não mantinham a cautela em seu próprio lar, pois no geral, passaram a viver como roedores na toca amedrontados por serpentes.

O Último AndilarOnde histórias criam vida. Descubra agora