- Parte II -

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Duas tirênias arrastavam uma mulher pelos braços, e usavam de grande força, já que ela se contorcia para livrar-se das algozes. Berros e mais berros, era assim que a moradora se defendia, com súplicas desesperadas e pedidos de ajuda.

— Não sou o que dizem! Me soltem! Me soltem! — berrava a jovem conhecida como Ilana, contorcendo os braços presos nas mãos das mulheres e usando os pés para impedir os passos que era forçada a dar.

Os vizinhos que estavam dentro das casas saíram para fora, um por um ocuparam seus lugares de espectadores nos limites da via de terra seca, e o espanto passou a assolá-los. Mulheres cobriram a boca com a mão em sinal de receio, e os homens estreitaram os olhos para observar com mais clareza. Não demorou para que reconhecessem a vítima, tratava-se da filha de dois velhos conhecidos, que por sinal não foram vistos por ali.

Nalan ousou dar passos para afastar-se de sua casa, mas Lorina o impediu, segurando-o pelo braço firmemente. Liandro nem de longe cometeria tal estupidez, tinha ciência dos perigos emergentes naquele momento.

Depois de arrancar Ilana de sua casa e arrastá-la pela rua, as tirênias a fizeram parar e outra delas trouxe uma corda para que suas mãos fossem amarradas.

— Me soltem, suas desgraçadas! Não sou nada disso que dizem! — gritou tentando livrar-se, mas elas eram muito mais fortes que si, e mantinham-na presa firmemente.

Tendo a vítima arrastada até o centro da via, uma tirênia aproximou-se em silêncio e começou a sondá-la. Uma mulher de porte alto, com a pele escura e cabelos longos lisos, muito reluzentes. Possuía uma coroa dourada para simbolizar sua autoridade. A armadura que usava era mais completa do que a das demais, tendo os braços protegidos por placas que os envolviam em um encaixe perfeito, assim como braceletes e uma calça de couro, também coberta por peças pretas com complementos dourados.

Ilana ofegou fartamente, suando e tremendo de pavor, mas tentando esconder o horror, não gostaria de transmitir medo perante aquelas mulheres ordinárias.

A tirênia cujo nome era Alória, apresentava-se como a comandante das guerreiras, e a responsável por decretar as execuções no vilarejo. Ela sondou Ilana com seu olhar pérfido, ausente de misericórdia. A garota manteve os olhos fixos nos dela, e notou o quanto seu rosto era excêntrico, com maçãs proeminentes e lábios grandes. Mas o que mais lhe atormentava eram as pupilas amarelas e profundas.

Tendo finalizado a sondagem, Alória virou-se para os espectadores apreensivos e percorreu os rostos de cada um ao redor, tinha prazer em ver o quanto sentiam medo.

— Essa garota é uma andilar! — anunciou em voz alta para que todos escutassem, e acabou atraindo mais curiosidade por parte deles, acompanhada de temor.

— Não! Não! Sou normal como todo mundo aqui! — Ilana defendeu-se.

Nalan mal piscava, a raiva que sentia o impedia até de fazer isso, e também não percebeu que seus punhos se fecharam em resposta ao seu rancor.

— Você acha que é normal porque talvez seus dons não afloraram.

— Que dons?! Eu não sei do que você tá falando!

— Tem certeza que não percebeu nada de diferente? Sonhos? Impressões? Pensamentos? — Alória a sondou novamente, estreitando os olhos.

— Já disse! Não tenho nada de estranho em mim! Sou normal!

Alória escutou e ponderou, manteve a postura tranquila e dominante com os braços descansados para trás, e ficou observando-a enquanto rosnava e se debatia. Um silêncio se instaurou, e as pessoas ficaram imóveis esperando os próximos acontecimentos.

— Sinto muito, garota, mas os instintos de uma tirênia não falha. Você é uma andilar, e por isso precisa morrer.

Nesse momento, algumas mães apressaram-se em recolher-se para dentro de suas casas, levando os filhos pequenos para que não vissem a atrocidade que se seguiria. Lorina também demonstrou intenção de se retirar, mas por algum motivo seus filhos quiseram permanecer no local para presenciar a cena. Nalan nem mesmo a respondeu, ficou parado como uma estátua de punhos fechados e emanando rancor.

— Venha, Nalan — Lorina o chamou, mas ele recolheu o ombro para que ela não o tocasse, mantendo-se firme em sua posição.

Assim sendo, as tirênias puxaram Ilana até uma estaca de madeira no centro da via, foi ordenada sua alocação para que ali fossem realizadas as execuções. Ilana tornou a gritar, e de forma mais desesperada dessa vez, sendo puxada pelos braços e se contorcendo para livrar-se das cordas, mas de nada adiantava. Gritos agonizantes se espalharam por todo vilarejo, e agora havia metade dos moradores que saíram para assistir. Nalan manteve-se invicto, enquanto Liandro e sua mãe afastaram-se para perto da porta, mas não entraram, apenas se recusaram a assistir.

Alória afastou-se em alguns passos e se posicionou na frente da garota.

— Lembrem-se disto, quando pensarem que podem se esconder, ou que podem fugir, seja andilar ou não. — A voz de dela foi ouvida, mesmo que os berros da garota atrapalhassem.

E para pôr fim ao caso, a comandante levou sua mão até às costas e pegou sua lança encolhida na estrutura dourada, esta estava quase coberta por seus cabelos. 

Nalan, por sua vez, ficou atento, e pôde ver quando a executora projetou a arma por completo, fazendo-a crescer em um segundo, magicamente. Ela dobrou um dos joelhos e assumiu uma postura rígida diante da vítima, apontou o braço esquerdo para frente, como se este servisse de guia para o alvo. Ilana parou de se contorcer e assombrou-se em ver o pouco tempo que lhe restava, seus punhos já pediam para que ela parasse, tamanha ardência e vermelhidão que lutar contra as cordas lhe causou. Num único movimento, Alória arremessou a lança, e esta voou com uma velocidade e potência sobrehumana, capaz de não apenas matar seu alvo, como também atravessar a estaca de madeira, fazendo-a tremer e perder lascas de madeira pelo chão.

Ilana mal teve tempo de gritar, e seu corpo pouco reagiu ao ser perfurado pela lâmina. Deu somente alguns espasmos, e enfraqueceu-se a cada jorro de sangue perdido.

Tendo finalizado a execução, as tirênias aproximaram-se para apanhar a lança pregada na madeira; agora o único trabalho restante seria limpar o cabo e desfazer as amarras no corpo, para não perder a corda. Enterro ou qualquer outro processo ficava a cargo dos próprios moradores, caso não quisessem que um corpo entrasse em decomposição no meio da vila, mas eles estavam acostumados com isso, já que havia ao menos uma execução por mês.

Mesmo após o fim do espetáculo, Nalan continuou observando, tomado por uma indignação, e mil coisas passavam em sua mente, desde a mais moderada até a pior forma de se matar cada uma daquelas malditas mulheres. Mas tudo parecia ficar limitado a desejos irreais.

Por um momento, teve a impressão de que foi avistado por Alória, que usava um pano sujo para limpar a lâmina de sua arma. Não saberia dizer, mas podia jurar que aqueles olhos dourados lhe viam, e viam com detalhes.

— Venha, Nalan. — Felizmente, Lorina o fez sair do suposto transe, e o obrigou a ir para dentro com Liandro, pondo fim a mais um dia de terror.




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O Último AndilarOnde histórias criam vida. Descubra agora