- Parte II -

15 3 0
                                    

— Você entendeu alguma coisa?

Nalan foi surpreendido pela pergunta de Liandro, e teria que buscar expressar confiança, mesmo que ela não existisse.

— Só sei que temos que obedecer — disse, voltando sua atenção para o cenário ao redor. — A mãe deve ter planejado isso, só não nos contou.

— Faz sentido, talvez ela soubesse que você poderia estragar tudo — Liandro concluiu sarcasticamente, e recebeu um olhar de reprimenda por tais palavras.

Sabendo do perigo que corriam por estarem fora de casa no meio da noite sem um motivo plausível, os dois adiantaram o passo a foram na direção leste do vilarejo, havia um armazém na extremidade, e ele lhes serviria como guia. A região também era cercada pela baixa muralha que os aldeões construíam, e se percorressem um pouco mais o caminho estreito até o armazém, avistariam o limite da muralha com blocos a serem colocados.

Pouco depois de terem iniciado a fuga, ambos encontraram a primeira tirênia patrulhando o local, aparentemente estava sozinha. A baixa luminosidade não os permitia ver as coisas com detalhes, mas a lança na mão da figura revelava sua identidade.

— Ela vai nos ver — Liandro cochichou para Nalan em sua frente, os dois se escondiam na parede de uma casa. O irmão quase ousou respondê-lo, mas temeu que a mulher escutasse.

Nalan tentou a única coisa que sua mente foi capaz de elaborar, andou de fininho até uma outra casa, dando passos na ponta dos dedos como se estivesse pisando sobre um vidro. O barulho foi o menor possível, e por sorte pôde contar com os grilos noturnos para abafar seu mau jeito. Depois disso, virou-se para trás, e sinalizou com a mão para que Liandro o acompanhasse. Claro que o menino hesitou, mas não viu outra alternativa.

— Olá, espero que esteja tendo uma excelente noite — disse Alória, esbanjando cordialidade. — Qual o seu nome?

Lorina nunca havia trocado palavras com a mulher, tampouco com qualquer outra tirênia. Era verdade que sentia medo da presença dela, quem no vilarejo não sentiria? Pouco mais gentil que as demais, Alória trazia um sorriso quando dialogava com as pessoas, mesmo quando estivesse prestes a matá-las.

— Você é surda? — perguntou, arqueando a sobrancelha e torcendo para que não estivesse sendo grosseira.

— Lorina. — Ela engoliu em seco, seu rosto já se encontrava coberto pelo suor. — Meu nome é Lorina.

— Belo nome — sorriu. — Quem mais mora com você nessa casa?

— Ninguém. Moro sozinha. — O empenho que assumiu para mentir era visível.

Alória manteve-se quieta observando-a, buscando a certeza de que a razão de estar ali era mesmo real. Não que isso fosse importante.

— Certo. Que tal nos deixar entrar para darmos uma olhada?

Nesse momento, a mulher pôs a mão na fechadura da porta e a puxou, fechando-a, mantendo-se entre ela e as tirênias. Alória estreitou os olhos como um felino desconfiado, e sua paciência começou a ser testada.

Por sua vez, Lorina concentrou-se nos ensinamentos que seu pai lhe deu quando tinha seus quinze anos de idade. Fazia mais de uma década que não se permitia a isso, mas desta vez aceitou fazer o que seu corpo sempre pediu.

Em paralelo, nas vielas da vila, Nalan alternava sua fuga entre corridas apressadas e passos na surdina, olhava para todos os lados na busca das vigias, mas até então teve a incrível sorte de não ser visto por nenhuma delas.

— Cuidado! — Liandro cochichou atrás de si, e o segurou pelo ombro antes que ele avançasse para outra casa.

Nesse instante, o menino percebeu que uma tirênia estava a poucos metros de distância, e seu coração começou a saltar em seu peito pelo susto de quase ter sido visto. No entanto, ambos foram capazes de escutar em seguida passos aproximando-se sobre pedregulhos. Os dois se abaixaram encostados na parede da casa e ficaram em alerta, recuando à medida que o som aumentava. Nalan alarmou-se em estar prestes a ser descoberto, e sua mente borbulhou de alternativas para escapar. Pensou em sair em disparada para o seu destino, mas certamente seria perseguido por aquela e mais outras. Cogitou voltar, mas teria que repetir o mesmo cuidado que adotou para chegar até ali.

O Último AndilarOnde histórias criam vida. Descubra agora